miércoles, diciembre 17, 2008

Fotógrafo de guerra

In a way, if an individual assumes he risk of placing himself in the middle of a war in order to communicate to the rest of the world what is happening, he is trying to negotiate for peace.

And that is why photographers go there: to show them, to reach out and grab them, and make them stop what they are doing, and pay attention to what is going on. To create pictures powerful enough to overcome the deluding effects of the mass media and shake people out of their indifference. To protest and, by the strength of this protest, to make others protest.

James Nachtwey


domingo, diciembre 14, 2008

Post de fim de ano


Ficarei alguns dias sem escrever. Na próxima sexta-feira viajo aos Estados Unidos para encontrar com a minha irmã, que estuda cinema em Santa Bárbara (Califórnia). Saudade imensa da caçulinha... Aproveitaremos para passar um Natal e um Ano Novo mais intimistas, longe das grandiosas festas e dos shows pirotécnicos de Florianópolis. Só nós quatro, em algum ponto de Lake Tahoe, quem sabe a quanto graus abaixo de zero. Natal com neve, como nos filmes.

Louca para ver a sister, deixo vocês com meu mais sincero desejo de que 2009 seja um ano bom, mais fraterno, humano e justo.

viernes, diciembre 12, 2008

jueves, diciembre 11, 2008

Explicando-me

Faz algun tempo que não penso em outra coisa: essa é a sorte de ser uma estudante de jornalismo, com tempo para, de fato, mergulhar em algum tema. No dia 27 de janeiro partirei com a Giovana para Espanha, Marrocos, Argélia e para o Saara Ocidental (território em litígio que constitui o centro de nosso trabalho de conclusão de curso).

Explicado meu crescente interesse em temas relacionados ao continente africano. Muitos me perguntam, quase com recriminação, porque não penso mais no Brasil - já que temos problemas de sobra por aqui. "Não é preciso ir longe para se deparar com os problemas decorrentes do 'subdesenvolvimento'." De fato. Mas quero aproveitar esse espaço para dividir as questões que faço a mim mesma todos os dias e, quem sabe, esclarecer alguns por quês.

Ano passado fiz um curso no El Pais voltado para o jornalismo internacional. O tema, "África na sociedade global", levou à casa de campo de Miraflores de la Sierra gente como Ramón Lobo, um dos correspondentes mais respeitados da Espanha, e Isabel Coello, jornalista na região dos Grandes Lagos. Durante os oito dias, caí na real de que estávamos falando ali de problemas que também eram meus, que estavam ligados à história do meu país e, mais ainda, à história dos paises que, dentro de uma lógica cruel, fazem parte do chamado terceiro mundo.

O que acontece ali, logo ao lado, tem uma mesma raíz e as consequências da desigualdade, embora em outra poporção, são bem similares aos problemas que enfrentamos por aqui. A fome que se sente é a mesma.

Os problemas da África são nossos. Não basta se conhecer olhando no espelho: é preciso olhar para o outro, ao qual temos o costume de só reservar medo, preconceito e, na melhor das hipóteses, nossa compaixão individualista. Acredito (na minha humildade de 21 anos) que o jornalismo internacional voltado para os problemas das 52 nações africanas pode contribuir muito para que, desde aqui, possamos construir uma nova perspectiva de mundo. Nossa cultura só ensinou a olhar para cima.

Não digo que devemos nos unir à África da forma retórica e messiânica que Lula propõe, com toda a sua arrogância, desfilando em carro aberto ao lado do ditador do Gabão. Tampouco acho que o Brasil deva se colocar como líder nessa empreitada do sul contra o norte (que sabemos nós de liderança?). Sugiro o conhecimento mútuo, um conhecimento, quem sabe, "alternativo", capaz de dar conta de tantos anos de cegueira - quem na escola aprendeu sobre movimento pan-africano?

E lá vou eu com os meus ideais.

miércoles, diciembre 10, 2008

6o anos depois, ainda não aprendemos a lição


"Há exatos 60 anos, os países-membros da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A iniciativa, que contou com 48 votos a favor e oito abstenções, surgiu como uma reação mundial às atrocidades testemunhadas durante a Segunda Guerra (1938-1945)." (da Folha Online)

"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade."

(para ler a carta completa)

Silêncio


Não bastaram os cinco mil e setecentos estupros. CINCO MIL E SETECENTOS ESTUPROS. Já não falamos mais destas mulheres, tampouco falaremos muitos de seus filhos e netos, de suas doenças, de seu suplício. [salvo preciosas exceções: http://mediastorm.org/0024.htm]

Não bastou que, depois de dias de viagem e negociações, as forças humanitárias encontrassem, no lugar de duzentas e cinquenta mil pessoas, o grande vazio centro-africano. DUZENTAS E CINQUENTA MIL PESSOAS "desapareceram" dos acampamentos onde poderiam encontrar algo parecido com a paz (como usamos essa palavra fortuitamente!). O reforço de cascos-azuis chegou um mês depois.

Um milhão e seiscentas mil pessoas, UM MILHÃO E SEISCENTAS MIL pessoas foram forçadas a andar, andar... Seguramente continuam. Não sabemos ao certo. Depois de algumas semanas, o conflito entre forças de Nkunda e Kabila já não interessa. Optamos por ocupar nosso tempo e nosso espaço com a comemoração do aniversário de Ms. Britney.

A União Européia, por divergências internas, ainda não autorizou o envio de mais tropas. Mesmo que a atitude não gere nem pequenas soluções imediatas (vide ONU: haviam 17 mil soldados da organização no território, mas pouco mais de algumas centenas se deslocaram para as regiões de conflito), poderia configurar uma demostração de que, apesar de tudo, a UE ainda tem consciência de sua responsabilidade moral e política sobre o continente. Mas relevem o que digo eu e minha ingenuidade...

Os líderes que participaram do início das negociações Nairóbi, na segunda-feira, não esbarraram nem com Nkunda nem com Kabila. Por onde andam? Quantos direitos humanos estão sendo violados a seu mando enquanto a cúpula tenta decidir, depois de quase 5 meses de conflito, qual pode ser a saída? Por aqui, ainda não encontrei nenhuma.

*Mulher congolesa - AP

lunes, diciembre 08, 2008

Início da Primavera

Amêndoas. De Van Gogh para seu sobrinho, o pequeno Vincent.

domingo, diciembre 07, 2008

Cegueira

A mãe segurava-a pela mão, mas a pequenina era mais firme: era ela quem guiava a mãe. "Vem por aqui", dizia, responsável. A mãe sorria e se deixava levar. A filha já olhava por ela.
__________________

Escrever multiplica a nossa existência.
__________________

...Desculpando-me pela ausência.

domingo, octubre 05, 2008

Inflação primaveril

As três pequeninas andavam juntas pelo centro da cidade, cheio por conta do belo dia para compras e passeios. Aproximaram-se da banca que anunciava uma promoção de flores e plantas em comemoração ao início da primavera. Abrindo pequenos espaços entre a multidão, olharam bem para os preços, como que pesquisando. Mas a inflação não poupa nem as flores, nem ninguém. Por sorte, acharam uma margarida da cor que buscavam – amarela, como o laço que enfeitava os cabelos castanhos da menor. Puxaram a vendedora pelo avental e apontaram o que tinham escolhido levar.

As crianças das cidades geralmente têm uma experiência de jardinagem limitada. Na escola aprendem a plantar o feijão em algodão e só. Não costumam ligar mais para as flores até ficarem adultas, quando comprar ou receber uma flor assume significados diversos. Vai visitar? Uma gérbera. Nasceu o bebê? Uma violeta. É encontro? Rosas, sem pestanejar. Assim nos dizem - nada de plantar por plantar, nada de florescer por florescer.

Mas ali, em meio à passagem encardida da vida, numa pequena pausa na correria que não nos deixa tempo para flores nem crianças, elas juntaram as mãozinhas e despejaram o que tinham de moedas para comprar um lindo vaso de margaridas amarelas! Vi a cara da vendedora se impacientar: “quem vai contar tudo isso?”.

Depois de constatarem que havia o suficiente, perguntaram se um pacote com papel de seda e fita de cetim podia ser feito. “Mais dez reais”, disse com má vontade a boca no meio da cara redonda. “É mais caro o embrulho do que a flor...”, constataram na sua esperteza de seis ou sete anos. E, desapontadas, deixaram no lugar as margaridas amarelas, envoltas em plástico frio e transparente, assim, como costumam nos entregar a vida nos dias de hoje.

viernes, julio 11, 2008

A esperança veste rosa

A felicidade do nascimento só pode ser entendida quando você participa de um, mesmo que seja na posição de espectador, atrás de uma janelinha de 1x1. “Nasceu, Nasceu! É uma menina linda!”. Uns 7 celulares se revezavam no trabalho de informar, no menor tempo possível, a maior quantidade de pessoas. Maria Fernanda veio ao mundo e eu pude ver, disputando com outros cinco rostos um pedaço do vidro, ela tomar o primeiro banho, ter os 3,150kg pesados e o cordão umbilical cortado, ficar rosa com a roupa especialmente escolhida para o momento.

Ela no berço, quentinha dentro do embrulho que fizeram depois do banho; o pai ao lado, já contando alguma estória que nunca saberemos qual. Mafê sabia que era nova por ali e, certamente, preferiu ouvir o dono do pedaço antes de manifestar-se. Quando ele a pegou, deu para ver: a delicadeza da vida cabia em uma mão aberta. Do nosso lado, elogios e grunhidos próprios de adultos quando vêem nenês. Mas ela não ouviu e, mesmo que ouvisse, creio que iria preferir a estória do pai, qualquer que fosse.

Entre os afagos do lado de lá e as fotos do lado daqui, pensei em como é puro um bebê. Saint-Exupéry pode falar melhor que eu. Frente a uma criança que dormia entre os pais operários, durante uma viagem de trem, afirma “eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa de vida”. O autor de Terra dos Homens tinha percebido uma coisa importante: quando nascemos representamos possibilidades. Isso explica porque, enquanto olhava Maria Fernanda, tinha pensamentos de esperança.

Minhas idéias, que se (des)organizam em espiral, me levaram para longe: será que Hitler, ou Stálin, Mugabe ou Khomeini, ou...(é melhor parar por aqui) passaram por isso?! Não imagino como teriam sido seus rostinhos carinhosos e inofensivos, embrulhados em uma manta branca. E depois de pensar no que poderiam ter sido ao invés do que foram, pergunto-me: qual é o momento exato em que entortamos as crianças para que virem homens?

“Olha que linda a roupa rosa!”. Volto à janelinha 1x1, muito mais colorida. Observo o malabarismo da enfermeira para vestir os 48cm de gente: levanta, põe a fralda, vira (“olha os olhos dela!”), põe o tip-top; vira, põe a calça, a camisa (bordada na gola), o pulôver, enrola a manta, berço. A Maria Fernanda está prontinha para voltar aos cuidados da mamãe. Antes de deixar a maternidade, desejo que a Mafê nunca perca a curiosidade pelas coisas lindas do mundo. E que não esqueça de olhar, atenta e docemente, para as pessoas que estão a sua volta, contando-lhe estórias a todo momento. E lá vai ela, um pedaço de vida rosa, uma promessa bem vinda!

lunes, julio 07, 2008

Fotos


Pessoal, deixo o endereço do FLICKR onde disponibilizo minhas fotos. Como só estou começando, todas as críticas e sugestões são muito importantes!

www.flickr.com/entre_mentes

Espero que gostem!

Laurinha

jueves, junio 19, 2008

A África que a mídia adotou

Em um encontro sobre jornalismo internacional e África em Madrid, junho de 200, ouvi o jornalista espanhol Afonso Armada dizer que nós, que trabalhamos com informação, somos amigos das hipérboles: vendemos um mundo incompreensível, mas muito atrativo. Esse raciocínio pode explicar grande parte dos problemas que detectamos ao olhar para a cobertura jornalística, seja ela nacional ou internacional. No entanto, neste último caso, a visão hiperbólica tem efeitos mais profundos e menos corrigíveis. A idéia que fazemos da África e da sua realidade é um dos melhores exemplos.

A diminuição dos correspondentes internacionais em solo africano – causada pela falta de verbas e pela indiferença das empresas – é paradoxal quando levamos em conta o aumento da demanda por informação. Quando existem, as notícias limitam-se ao conteúdo das agências - que dominam o cenário internacional desde o século XIX, quando foram criadas - e reproduzem o desinteresse na mesma medida em que despertam uma compaixão passiva nos leitores-espectadores. A imagem da fome e da miséria dos africanos nos dá pena e, acima de tudo, tranqüilidade e confiança no modelo ocidental de desenvolvimento. Assim, nos afastamos cada vez mais do continente que tratamos como país. O problema não está só no trabalho agências, mas numa concepção distorcida de jornalismo.

Hoje, a cobertura internacional sobre a África se funda em um falso altruísmo: assumimos a responsabilidade de escrever a história da África (que sempre existiu através da oralidade). Mas, até que ponto essa história traduz a realidade? Ela dá conta da multiplicidade dos 52 países? Que futuro, que destino essa história está impondo aos africanos? Apesar do movimento pan-africano e os sonhos acalentados com as independências terem fracassado, a repórter Isabel Coello, que trabalhou por muitos anos como correspondente da agência EFE na região dos Grandes Lagos, defende que a África é mais viva do que vemos. “Algumas nações estão se fazendo mais responsáveis por seus problemas”, afirma. “A dificuldade é que a África não interessa”. Mas não foi sempre assim.

O jornalista polonês Ryszard Kapuscinski tinha argumentos fortes a respeito da importância do jornalismo para a África, sem cair nos simplismos e generalizações com os quais estamos acostumados. Em seu livro Os cínicos não servem para este ofício, explica que “a pobreza sofre, mas sofre em silêncio. Você encontrará situações de rebeldia só quando as pessoas pobres albergarem alguma esperança. (...) Essa gente não se rebelará nunca. Assim, necessita que alguém fale por eles. Esta é uma das obrigações morais que temos quando escrevemos sobre essa parte infeliz da família humana”. E não é perguntando a uma mãe com seu filho morto por desnutrição no colo “Como você se sente?”, que comunicaremos (no sentido de tornar comum) a África ao mundo.

A responsabilidade é ainda maior quando damos voz a um continente que não é nosso. Por isso, é necessário que levemos em conta sua multiplicidade, assim como sua história e particularidades sociais e políticas. Em um fórum sobre jornalismo realizado em São Paulo no ano de 2006, Robert Fisk, premiado repórter do inglês The Independent, admitiu que “a falta de perspectiva histórica em reportagens internacionais” é um dos grandes problemas da cobertura que temos feito. Além disso, devemos deixar de lado os simplismos: é indispensável não esquecer que, assim como há a África da AIDS ou da fome, há uma mais próxima, que é parte indissociável de um mundo que se pretende globalizado. Há também a África que investe em infra-estrutura ou a África das democracias – que, apesar de frágeis, despontam depois de anos de totalitarismos sangrentos. Ou, então, a África que abriga quase um sétimo da população mundial: uma África que tem vontade, quer e abre oportunidades.

Temos que aprender com a ironia de Binyavanga Wainaina, jornalista queniano. Em texto intitulado “How to write about Africa” (Como escrever sobre a África) ele observa: “A África é o único continente que você pode amar – tire vantagem disso. (...) A África é para dar pena, ser adorada e dominada. Qualquer que seja o ângulo que você escolha, esteja certo de deixar a forte impressão que, sem a sua intervenção e seu importante texto, a África está condenada”.

viernes, mayo 23, 2008

Brinde solitário


Entrou como se fosse da casa. Não era a primeira vez que estava no restaurante e já conhecia os degraus que separavam a entrada do salão. Não titubeou: escolheu a melhor mesa (são sempre ao lado de uma linda janela) e se sentou de maneira esparramada, num conforto quase forçado. Queria atenção e, para tanto, gesticulava impaciente para o garçom que, percebendo a aflição do cliente, apresentou-se solícito. O cliente foi rasteiro e, como diria minha avó, tratou o jovem atendente “com casca e tudo”. Pediu o mais caro tinto do menu para a entrada. Fechou o cardápio e aguardou olhando o movimento através da janela. É... Estava só, mas ainda tinha aquela janela...

Tinha bondade no fundo do olhar e os ares da maturidade precoce – ai, os ares da maturidade... - escondiam a carência do menino já homem, ou quase homem, ou quase menino. Tinha classe, e isso o que lhe importava. E a janela... através daquele recorte de mundo, via as senhoras e senhoritas, cada qual a sua maneira. Mal sabiam elas que, enquanto passeavam na noite, passavam pelo crivo do rapaz. Nenhuma lhe parecia bela o suficiente, mas isso não vem ao caso porque o vinho chegou rápido e o desviou de seus pensamentos.

O cheiro da rolha o fez fechar os olhos. Sem se dirigir ao garçom, viu o tinto encher um quinto da taça e rebolar com o movimento feito para que o aroma se apurasse. Num ritual conhecido, cheirou e bebeu e aprovou. E seguiu tomando, enquanto o prato principal não chegava. Mas também logo, chegou. E ele se refestelou sozinho, e criticou sozinho um tempero diferente, e sozinho devolveu os pratos ao garçom enquanto pedia um delicioso bolo de chocolate com sorvete para a sobremesa.

Não pôde dividir com ninguém a vontade daquele doce e, pior, o prazer satisfeito nas duas primeiras garfadas. Isso porque na terceira ele parou, olhando desolado para o pratinho decorado de flores. Sem mais nada a pedir, sem mais vinho na garrafa, se pôs a brincar com o bolo e o sorvete, transformando-os em uma papa mole e feia – assim mesmo como os pais não nos deixam fazer quando somos crianças. O garçom trouxe a conta, ele pagou e saiu como entrou, deixando para trás qualquer vestígio de solidão e criancice.
*Pintura de Judi Bagnato

jueves, mayo 22, 2008

Quero pousar!


Fernando Sabino começou a pensar no tema há bastante tempo. Coitado do mineiro... Na época devia ser ainda pior: sentar na janela e olhar as hélices até que, por algum infortúnio que secretamente imaginava, uma delas parasse de funcionar. Morria de medo, como eu e metade dos passageiros – provavelmente aqueles que descem do avião de nariz empinado, como se fossem pura coragem e tivessem acabado de enfrentar com destreza o monstro de lata!

Avião é coisa séria. Poderiam existir estudos antropológicos sobre o que uma viagem e nosso instinto de sobrevivência podem fazer. Os engenheiros todos são unânimes na hora de dizer que é o meio de transporte mais seguro. Mas tenho certeza que todos também já passaram por algum momento de desespero e que, nesse momento, não eram mais engenheiros – porque eram mortais. Eles, como eu, já olharam com desconfiança para aquelas figurinhas sorridentes do manual de segurança, e já sentiram no ar preocupado da aeromoça o sinal fatídico de que o serviço de bordo teria que ser interrompido por causa de uma turbulência.

Não adianta negar: esse sentimento que revira o estômago, que aguça nossos ouvidos e nosso nariz (para ruídos e cheiros que não estejam previstos no manual) existe em todos nós. Talvez isso explique o que, paradoxalmente, meu pai chama de “fenômeno inexplicável” (sim, ele é engenheiro). É só o avião tocar a pista que todos se levantam, mesmo sabendo que ficarão desconfortavelmente espremidos até que alguém se digne a abrir aquela porta. É a vontade desesperada de não estar a bordo quando o piloto resolver decolar de novo.

Já ouvi histórias cabeludas sobre vôos desgraçados, mas as nossas turbulências são sempre as piores, nossos pilotos são sempre os mais valentes (ou inconseqüentes). Os “sinais” que recebemos são sempre os mais fortes: “Uma vez fui viajar e vi três freiras na fila de embarque. E sabe o quê? Elas sentaram seis, seis poltronas atrás de mim! E na hora de acomodar a bagagem no compartimento, percebi que tinha colocado minha mochila em cima da bolsa de uma delas. Você acredita? Acredita que sobrevivi?!”.

Agora, com as promoções das companhias aéreas, democratizamos o medo de avião! A nação unida sob um mesmo objetivo: pousar. Aliás, quem fez festa quando disseram que o Brasil estava “decolando”?! Só o senhor Presidente. Também, com um avião daqueles, até eu, até Sabino.

sábado, febrero 02, 2008

De boca cheia

Há muito tempo não se via tanta água por aqui. A cidade amanheceu nebulosa e, pelo rádio, diziam-nos para evitar sair de casa. Mesmo assim, tive que contrariar o locutor preocupado: um exame me colocou na rua em meio ao aguaceiro que um dia foi Florianópolis. Felizmente não fiquei presa em nenhum alagamento, não cai em nenhum dos muitos buracos, nem mesmo me molhei muito. Mas pela televisão e através da internet não paravam de chegar imagens de pessoas sem a mesma sorte. Em poucas horas, a água tomou conta de ruas e casas, expulsando familias e tornando lama tudo o que elas tiveram que deixar para trás.

Zapeando, sequinha e no conforto do lar, sintonizei aquilo que parecia – ou deveria ser – uma reunião de autoridades (para as quais, sem remédio, entregamos nossa confiança a cada quatro anos). Conversavam sobre os problemas que eu tinha visto naquela manhã. Estranhamente, falavam como se o mundo que se derramava em gotas fosse outro, bem longe dali onde eles se apertavam. Uma espécie de distanciamento mórbido, uma negligência desmascarada exibindo-se em rede aberta.

Enquanto um ou outro tomava a palavra, os demais eram deliciados por pequenos e suculentos pães-de-queijo, que enchiam seus papos gordos e esfomeados. O desinteresse era tamanho que a autoridade-mor prestava mais atenção ao garçom, que não parava de suprir os famintos do alto escalão, do que ao colega político – que, por sua vez, utilizava-se da milenar arte da retórica para chegar a lugar algum. Mesmo se fosse perguntado, não poderia responder o que o governo vai fazer para evitar que a situação de calamidade se repita: estava de boca cheia.

Logo abaixo das caras refesteladas e quase preocupadas, uma legenda tentava avisar do problema aos telespectadores e cidadãos desatentos: “ Autoridades se reúnem para resolver a chuva”. Que bom! Depois do próximo pão-de-queijo, eles entrarão em contato direto com São Pedro! Assim se resolvem as coisas!

Inacreditável! E ainda tem gente que diz que temos sorte de morar num país sem grandes problemas geofísicos... Tinha prometido não fazer uma crônica política. Já temos o suficiente, não acham?! Sei que a cidade sobreviveu e que os danos materiais das tantas famílias são tão grandes quanto os danos morais que deixamos ocorrer, todos os dias, sob chuva ou sol. Mas a boca grande das 'autoridades' foi o fim.

Olho para fora mas a nebulosidade não me deixa ver aquilo que chamam de perspectiva.

lunes, diciembre 03, 2007

Souvenirs

Sou pragmática com algumas coisas. Escrever é uma delas. Não por qualquer frescura pseudo-jornalística, mas porque gosto de tempo para pensar e me expressar. Preciso digerir tudo o que rodeia meus pensamentos – e, garanto, não é pouca coisa. Sim, sim... Sei que não é desculpa para mais de quatro meses de ausência. Mas, acreditem: foram meses intensos, de viagens, despedidas, chegadas, readaptações, trabalhos e muitas, muitas histórias para contar. Agora, faltando apenas duas semanas para o fim do semestre letivo, sento-me para contar um momento, uma noite, mais especificamente, em que o pianista anônimo que completava com música minhas tardes de leitura na azotea acenou para mim. Que vocês me perdoem, e que desfrutem comigo as lembranças de minha última noite em Sevilla.
........................................................................

Primeiro fui ao (meu) rio Guadalquivir para me despedir de Triana e da ponte que tantas vezes me serviu de vista. A turma tinha ficado pequena, já não estávamos mais em roda para começar outro piquenique com bolachas Príncipe e quesadillas. Lídia tinha ido para Jaen no dia anterior, agora era minha vez de voltar para casa. Lembrei das últimas semanas: deliciosa viagem com minha avó Lucia e minha prima Jujú, do norte ao sul e do leste ao oeste da Espanha; depois, dez dias incríveis em um mochilão pela Itália na companhia da Lídia e da Déborah (experiências que logo receberão uma crônica exclusiva). O que mais eu podia querer?

Nem a possibilidade de ter que pagar horrores na alfândega por causa do excesso de peso me desanimou. Inclusive, testei meu desprendimento material: deixei 10 kg, D-E-Z kg, de roupas na casa da Loren, e cada grama foi contabilizada (aliás, como temos coisas em demasia!). Com tudo “pronto” – SÓ faltava fechar as malas – saímos para comer umas tapas no bodegón ao lado de casa. Engraçado. A austríaca que toca o negócio nos serviu umas berinjelas recheadas que tinha acabado de fazer. Uia! Divinas! Dei-me conta de que nunca tinha comido neste boteco, mesmo estando ao lado de casa. Bateu um saudosismo pelas coisas que não fiz... Apesar do verão nada amigável de Sevilla, a noite estava agradável.

Logo reparei que logo acima da gente, numa casa estreita de tijolos à vista, uma janela se iluminava. Podia ver a silhueta do piano e do pianista – um jovem cuja existência era mais que sabida por todos da praça, mas que raramente era visto, nem na padaria, nem na farmácia, nem no bodegón. Não quero idealizá-lo: uma “aura” esconderia a simplicidade do garoto que, discretamente, nos acenou depois dos aplausos nossos e de outros com os quais dividíamos a calçada. Então era ele. Lembrei das tantas tardes em que, sentada no terraço na companhia de bons livros – muitos da biblioteca do Vicente -, ouvia seu piano tocar. Desde a primeira vez, decidi dedicar a ele uma crônica.

Pedindo licença para sonhar, confesso que achei que a apresentação daquela noite tinha sido planejada para mim – afinal, estava indo embora, era seu presente de despedida. E outra... Uma mera coincidência não seria tão poética! Quando parou e espiou pela janela, pedi uma música. Contente pelo sucesso, ele sorriu, sentou e tocou lindamente. Aplaudimos e ele se despediu fechando o piano. Pronto, agora já podia voltar para casa: conheci aquele que, anonimamente, tinha dividido comigo a paz das tardes na praça de São Marcos.

Voltei para minhas malas, nada musicais e muito menos amigáveis. Tomada pela música, percebi que o que eu queria levar não cabia na bagagem – mas nem a Ibéria, nem a imigração, nem a União Européia podiam reter. Era o cheiro que sempre reconhecerei, a vista que sempre estará na memória, a comida que sempre saberei o gosto, uma música que sempre será minha .

martes, septiembre 04, 2007

Clássico Marroquí II



Meknes tem a maior porta da África. Uma enorme porta branca, com detalhes árabes, que marca a entrada para a cidade imperial. Cruzando a rua na direção oposta, a medina. E, na entrada, não uma porta: uma praça, uma enorme praça onde víamos artistas, músicos, crianças e mais crianças aproveitando o final de domingo. Fazia frio e estávamos cansados de viajar. A mochila nas costas já pesava o dobro (em grande parte por causa dos extras, adquiridos durante o tour comercial em Fes) e a fome por comida de verdade não agüentava mais pãopãopão e pão.

Mesmo assim, Cristina ainda tinha pique e não relutou em entrar na roda quando convidada por um artista de rua. Estava cercada e não entendia nada do que o homem lhe pedia. Todos riam de seu sotaque meio italiano meio espanhol, pobre Cristina... Títere dos marroquinos que se divertiam com a figura rara: branquela com olhos azuis, mochila nas costas, meias até os joelhos, sandália de franciscana e requebrado nulo. Visualizam?! Pois bem... Depois da apresentação de Cristina, fomos abordados por Lasan, jovem com seus vinte e poucos, sotaque carregadíssimo, mas espanhol fluente. Ufa! Foi ele e seu amigo X que nos acompanharam pelo passeio no mercado de doces de Meknes.

Aliás...Que mercado! Todos as formas e cores de doces saltavam aos olhos e às bocas – sim, porque os vendedores queriam que provássemos todos, TODOS os sabores. No fim, como já levávamos pouca coisa, compramos mais alguns quilos de amendoados e melados como suprimento para a longa noite de viagem. E Lasan na cola. Foi bom porque, além de sua simpática companhia, ele nos guiou pelas já escuras ruazinhas de Meknes. E como nosso trem só passava por aquelas bandas às 3h da madruga (quando passava), tínhamos mais algumas horas para ver a cidade.

Pois surgiu uma idéia de Lasan, que trabalhava em uma pizzaria quase ao lado da estação de trem: “Podemos ir até meu trabalho e esperar lá”. Idéia aceita. O lugar tinha um nome italianíssimo, o que fez nossos dois exemplares da Toscana se sentirem mais perto de casa. Era bonitinha, com uma varanda bacana, mas já estava fechada e não nos restou nada mais que um cheirinho de pizza que se esvaía a cada minuto. Vários amigos de Lasan ainda estavam na área (a varanda era liberada pelo dono, mesmo depois do horário de funcionamento). Máximo quase nos vendeu por alguns camelos para aqueles simpáticos guris (brincadeira!!!).

Éramos muitos e, quando assim é, nada melhor que dividir em dois, colocar uns cestos de lixo como marcação e soltar uma pelota no meio. E daí não há mais língua, mais fronteira, mais diferenças. Pode ser uma retórica gasta, mas eu comprovei que é verdadeira: o futebol é uma língua universal. Durante a partida – na qual meu time perdeu de muito a pouco – ouvi vários “Ronaldinho”, “Rivaldo”, “Zidanne” e tantos outros. Surreal: 1h da madrugada, três estrangeiros (dois italianos, uma mexicana e uma brasileira espanholizados) e muitos marroquinos, jogando uma partida de futebol no meio de uma rua escura da longínqua Meknes. Como rimos! Como nos divertimos!

E depois do clássico marroquí, todos nos acompanharam até a estação para certificar que embarcaríamos direitinho. Antes do adeus e do salam, uma das garotas do grupo árabe nos ensinou a colocar o lenço na cabeça. Fomos assim, como legítimas muçulmanas (descontando as havaianas e os braços de fora) que voltamos ao nosso primeiro e último destino: Tanger. 6h desconfortáveis horas de viagem que, apesar de longas e cansadas, não foram suficientes para que eu pudesse me despedir do Marrocos que o trem deixava para trás. E desta vez não pude sentar na janela.

Shukram Marrocos
..................................................................................................

Lasan tinha (e espero que ainda tenha) o sonho de ir para a Espanha estudar. Por isso começou aulas de espanhol e também por isso se aproximou de nós quando percebeu que era esse o idioma que falávamos. Ele acredita que com a língua fluente seja mais fácil para conseguir o visto.

Ao longo de nossas conversas percebi que, tanto para Lasan como para outros jovens marroquinos, a Espanha é quase uma obsessão. É um vizinho rico e próspero, tão perto tão perto que quase podem ver no horizonte. A esperança deles está lá e a proximidade com a cultura européia, mesmo que seja através de jovens turistas, é como uma corda, uma bóia salva-vidas com a qual eles podem contar para atravessar a fronteira. Indescritível, por exemplo, a expressão que ele abriu quando prometemos mandar postais desde Sevilla.

Creio que nossa passagem por Meknes alimentou uma ilusão que não saberemos nem desfazer nem suprir e que, no futuro, pode custar as esperanças de jovens bons e dedicados como Lasan. Alias, desculpe-nos Lasan... Nem o postal te mandamos ainda.

jueves, agosto 16, 2007

Clássico Marroquí - Parte I

Estávamos a caminho de Fes, cidade abraçada pelo reino de Mohammed VI. Por sorte, naquele trecho tínhamos conseguido uma cabine que não estava lotada e, por sorte também, me tocou sentar na janela. Meus três companheiros de viagem (a dupla italianíssima Cristina e Máximo, e Yenny, minha grande amiga mexicana, fazedora de quesadillas & guacamoles) recuperavam o sono que não matamos durante a noite em Asilah, um povoado na beira do Atlântico.

Peço licença para relatar brevemente nossa passagem por essa cidade: havíamos sido levados pela conversa de Omar e de seu comparsa Abdulah que, em cinco minutos, fez da casa onde morava com a mãe um hostel “bacana”. Os 5 euros que pagamos para dormir na sala do anfitrião incluíam o chá de boas vindas (delicioso!), o passeio na Medina, o tour pelas lojas de seus melhores amigos e a companhia de seu gatinho durante a madrugada insone.

Bueno... Meus companheiros dormiam agora e eu, forçando as pupilas, tentava absorver toda a África que me vinha através da janela do trem. Umas vezes ela se apresentava seca, pobre e suja – especialmente quando abríamos caminho pelos povoados mais isolados; em outras, era verde, viva (apesar do sol fulminante) e incrivelmente sedutora. Chamou-me atenção a quantidade de lixo pelo caminho. Todo aquele plástico acumulado tem uma explicação: os marroquinos foram apresentados aos produtos chineses – muito mais acessíveis que os produtos europeus. Agora até os tradicionais copinhos de chá vêm com o familiar selo MADE IN CHINA. E o plástico, material inútil até pouco dentro dessa cultura artesanal, simples e orgânica, ainda não conhece outro fim que não seja o de lixo que se acumula. Simplesmente não sabem o que fazer com ele. Então, aí fica.

E essa paisagem multifacetada, ora incrível ora cruel, me acompanhou durante o longo trajeto rumo ao coração do Marrocos.

Chegamos à Medina, ou a um dos lados dela. A de Fes é a maior do mundo, tem mais de 9.000 ruas e dezenas portas (informações do nosso poliglota guia Abdulah). Mas, como não fazíamos idéia de qual era a nossa porta (a dos turistas), acabamos entrando “pelos fundos”, onde vive a gente que nasceu na Medina, que trabalha na Medina e que só se sabe dentro dela. Correndo o risco de ser simplista na descrição de tal realidade, conto como me via: dentro de um formigueiro úmido e escuro, de ruazelas que não levam a parte alguma, de casas aglutinadas e disformes, parado em algum lugar no passado onde mulas e gentes, animais que são, ainda dividem o solo para dormir.

“Resulta difícil saber por que aquela gente construía a um modo tão estreito e acumulado, por que tinha que se apertar tanto que um se subia na cabeça do outro. Para defender melhor a cidade? Ignoro. Mas, por outra parte, essa massa de pedra amontoada em um só lugar, essa acumulação de paredes, esse empilhamento de pórticos, nichos e tetos permitiu conservar e preservar – como em uma caixa de gelo – um pouco de sombra, frescura e até suaves correntes de ar nas horas de meio-dia, do calor mais agonizante.” (Ryszard Kapushinski, Ébano)

Por essa labiríntica cidade antiga passam meninas com os cabelos cobertos levando, com todo o seu cuidado, o pão para o forno de barro e lenha; descem mulas carregadas, sobem mulas mais carregadas ainda; crianças guias disputam cada pedaço de turista como se fosse um bolo de chocolate que nunca viram, nem saborearam. Homens, muitos homens, vendem tudo o que fazem – e fazem tudo! De couro a remédio, de massagem a jóias. Os lenços pendurados dão cor às ruas de pedra. Aqui e ali as pessoas se cumprimentam, se beijam, esfregam a barriga em sinal de agradecimento por algo ou apertam o peito esquerdo em mostra de amizade e confiança.

Por esse mundo novo passeamos durante um par de dias – tão curtos, tão rápidos, tão insuficientes. E vimos e compramos e andamos, e andamos, e andamos... Fes nos acolheu em cada beco com “shukrams” (obrigado) “salams” (olá). Só a despedida de nosso guia não foi muito amistosa: depois de ganhar todos os dirhams que tínhamos no bolso (que somaram quase 20 euros), o jovem de 20 se afastou bravo, sem apertar a barriga nem esfregar o coração.
.........................................................................................................................................................................

Continua...

martes, junio 19, 2007

Manu foi-se embora






E agora?! Quem vai rir quando eu bater a cabeça às 7h da manhã em um poste?
Quem vai pintar minhas unhas de vermelho no terraço?
Quem vai dividir comigo os pecados contidos numa casquinha de sorvete?
Como vou fazer quando quiser dançar feito uma louca no meio de uma festa bichogriloalternativa? Quem vai me acompanhar nesse mico? Quem???

Será impossível divertir-me sozinha ouvindo “Los 40 principales”...

E chegará sexta-feira e terei que caminhar até El Rinconcillo sozinha, sem ninguém para brincar de passarela comigo pela rua.

Quem vai ter ataques de riso quando o motorista de ônibus engrossar ou quando o garçom brigar comigo?
Quem vai me dar bons toques de moda e quem me informará das melhores liquidações da cidade?
Quem provará comigo todos os perfumes do Corte Inglés sob os olhares fulminantes das vendedoras?
Quem será minha irmã mais velha, preocupada, conselheira e amiga?
Quem? Quem? Quem?

Não quero fazer drama. Sei que volto logo (sorte que nos vemos logo!). Poderemos fazer tudo novamente Manu – apesar de nos reconhecerem aí!

Mas a verdade é que a habitación ao lado da minha já sente a tua falta! E eu também...

martes, junio 05, 2007

Raízes


A beleza dos quadros foi bondosa. Permitiu-nos até chegar perto, para certificarmos que ali estavam as pinceladas. Não intimidou. Convidou cada um dos visitantes a entrar no universo da paleta colorida. Era como o anfitrião nos dissesse: “Passem, conheçam minha vida, sintam-se a vontade, meu quarto é de vocês”. E assim entramos no quarto de Van Gogh, caminhamos por seus campos, acompanhamos o jantar de seus plantadores de batata (até onde a chama da única vela agüentou).

Já no final da exposição, Tree Roots, com os azuis e amarelos que só ele sabe como usar, nos propós pensar em o que, realmente, nos liga a terra, nos faz forte e nos protege: raízes fortes, nada mais. “As if they were grimly and passionately rooted into the earth and yet half torn loose by the storms. I wished […] the black, testy roots with their knots to express something of the battle for life”.

Fácil entender sua relação com o irmão Theo, sua única morada e porto seguro.

Ao final das linhas nos foi possível descobrir o que achava ele da vida e do mundo. Sua mente perturbada (ou seria a nossa, de não ter entendido antes sua lógica), de forma incrível, formulou raciocínios tão simples e coerentes que até hoje desconcertam quem traduz sua linguagem. Não é lero-lero pseudoartístico. É só uma dose de Van Gogh: a esperança, perseverança, amor, ambição e realização que buscamos descobrir nos matizes de cada dia. E que, no fundo de sua loucura, ele encontrou.
....................................................................................

O fim da tarde era de um laranja quase ofuscante (saberia Van Gogh reproduzi-lo?!). O caminho florido deixava evidente a primavera e a estrada de mais de 1300 km chegava ao fim. Passamos por tanta gente, tanta cidade, tanta história que me resulta difícil organizar um raciocínio (por simplista e reducionista que seja):

Frankfurt, a chegada, os abraços e beijos, a saudade acumulada que, num despejo de emoção, desaparece. Inicio de viagem, vontade de gritar: mundo apresente-se!!!!

Cidades sem nome ao longo do caminho tiveram papel de coadjuvantes dignas de Oscar.

Colônia, com suas cervejarias e seu goulash – incrível! A catedral é – arrisco ser simplória – mais que grandiosa. É imponente.

Amsterdã nos recebeu da maneira mais incomum que poderíamos imaginar: quase de atropelo, literalmente! Linda, original, caótica.

Brugges é o sonho na Terra, o conto de fadas que idealizamos de pequenos. A história doce e crua que só deixa a desejar o cavaleiro e a princesa.

Paris é Paris. E Paris é quase tudo! É arte, é história, é arquitetura. Seus cidadãos podem gabar-se do que possuem – e o fazem!!!

Madrid representa laços e passados que adoramos recordar! Passamos lindamente, ao lado da família que tanto hechamos de menos y tanto amamos.

A Toledo de Don Quixote é fantástica, de pedra, uma fortaleza que permanece parada no tempo guardando espadas e segredos entre as ladeiras.

Mas, voltando ao carro e ao final de tarde que nos saudava, me dei conta que, poderia ter mudado o nome de todas as cidades pelas quais havíamos passado; poderia reduzi-las a uma se uma condição se mantivesse: a companhia da minha família. Estava chegando a Sevilla depois de oito dias de sonho, oito dias de surpresas e experiência, e me sentia plenamente feliz. Van Gogh sabe do que falo. Quando se tem raízes fortes e pode compartilhar com elas o caminho, todos os destinos te levarão de volta para casa.



*Vivendo um conto de fadas com a família que eu tanto amo. Brugges – Bélgica.