jueves, junio 19, 2008

A África que a mídia adotou

Em um encontro sobre jornalismo internacional e África em Madrid, junho de 200, ouvi o jornalista espanhol Afonso Armada dizer que nós, que trabalhamos com informação, somos amigos das hipérboles: vendemos um mundo incompreensível, mas muito atrativo. Esse raciocínio pode explicar grande parte dos problemas que detectamos ao olhar para a cobertura jornalística, seja ela nacional ou internacional. No entanto, neste último caso, a visão hiperbólica tem efeitos mais profundos e menos corrigíveis. A idéia que fazemos da África e da sua realidade é um dos melhores exemplos.

A diminuição dos correspondentes internacionais em solo africano – causada pela falta de verbas e pela indiferença das empresas – é paradoxal quando levamos em conta o aumento da demanda por informação. Quando existem, as notícias limitam-se ao conteúdo das agências - que dominam o cenário internacional desde o século XIX, quando foram criadas - e reproduzem o desinteresse na mesma medida em que despertam uma compaixão passiva nos leitores-espectadores. A imagem da fome e da miséria dos africanos nos dá pena e, acima de tudo, tranqüilidade e confiança no modelo ocidental de desenvolvimento. Assim, nos afastamos cada vez mais do continente que tratamos como país. O problema não está só no trabalho agências, mas numa concepção distorcida de jornalismo.

Hoje, a cobertura internacional sobre a África se funda em um falso altruísmo: assumimos a responsabilidade de escrever a história da África (que sempre existiu através da oralidade). Mas, até que ponto essa história traduz a realidade? Ela dá conta da multiplicidade dos 52 países? Que futuro, que destino essa história está impondo aos africanos? Apesar do movimento pan-africano e os sonhos acalentados com as independências terem fracassado, a repórter Isabel Coello, que trabalhou por muitos anos como correspondente da agência EFE na região dos Grandes Lagos, defende que a África é mais viva do que vemos. “Algumas nações estão se fazendo mais responsáveis por seus problemas”, afirma. “A dificuldade é que a África não interessa”. Mas não foi sempre assim.

O jornalista polonês Ryszard Kapuscinski tinha argumentos fortes a respeito da importância do jornalismo para a África, sem cair nos simplismos e generalizações com os quais estamos acostumados. Em seu livro Os cínicos não servem para este ofício, explica que “a pobreza sofre, mas sofre em silêncio. Você encontrará situações de rebeldia só quando as pessoas pobres albergarem alguma esperança. (...) Essa gente não se rebelará nunca. Assim, necessita que alguém fale por eles. Esta é uma das obrigações morais que temos quando escrevemos sobre essa parte infeliz da família humana”. E não é perguntando a uma mãe com seu filho morto por desnutrição no colo “Como você se sente?”, que comunicaremos (no sentido de tornar comum) a África ao mundo.

A responsabilidade é ainda maior quando damos voz a um continente que não é nosso. Por isso, é necessário que levemos em conta sua multiplicidade, assim como sua história e particularidades sociais e políticas. Em um fórum sobre jornalismo realizado em São Paulo no ano de 2006, Robert Fisk, premiado repórter do inglês The Independent, admitiu que “a falta de perspectiva histórica em reportagens internacionais” é um dos grandes problemas da cobertura que temos feito. Além disso, devemos deixar de lado os simplismos: é indispensável não esquecer que, assim como há a África da AIDS ou da fome, há uma mais próxima, que é parte indissociável de um mundo que se pretende globalizado. Há também a África que investe em infra-estrutura ou a África das democracias – que, apesar de frágeis, despontam depois de anos de totalitarismos sangrentos. Ou, então, a África que abriga quase um sétimo da população mundial: uma África que tem vontade, quer e abre oportunidades.

Temos que aprender com a ironia de Binyavanga Wainaina, jornalista queniano. Em texto intitulado “How to write about Africa” (Como escrever sobre a África) ele observa: “A África é o único continente que você pode amar – tire vantagem disso. (...) A África é para dar pena, ser adorada e dominada. Qualquer que seja o ângulo que você escolha, esteja certo de deixar a forte impressão que, sem a sua intervenção e seu importante texto, a África está condenada”.

1 comentario:

Vale -Penafiel dijo...

Extraordinário ! Os meus sinceros
parabéns !
Gostei dos teus formidáveis textos , e das tuas expressivas fotografias !
Contimua !
Encantado .