miércoles, diciembre 17, 2008

Fotógrafo de guerra

In a way, if an individual assumes he risk of placing himself in the middle of a war in order to communicate to the rest of the world what is happening, he is trying to negotiate for peace.

And that is why photographers go there: to show them, to reach out and grab them, and make them stop what they are doing, and pay attention to what is going on. To create pictures powerful enough to overcome the deluding effects of the mass media and shake people out of their indifference. To protest and, by the strength of this protest, to make others protest.

James Nachtwey


domingo, diciembre 14, 2008

Post de fim de ano


Ficarei alguns dias sem escrever. Na próxima sexta-feira viajo aos Estados Unidos para encontrar com a minha irmã, que estuda cinema em Santa Bárbara (Califórnia). Saudade imensa da caçulinha... Aproveitaremos para passar um Natal e um Ano Novo mais intimistas, longe das grandiosas festas e dos shows pirotécnicos de Florianópolis. Só nós quatro, em algum ponto de Lake Tahoe, quem sabe a quanto graus abaixo de zero. Natal com neve, como nos filmes.

Louca para ver a sister, deixo vocês com meu mais sincero desejo de que 2009 seja um ano bom, mais fraterno, humano e justo.

viernes, diciembre 12, 2008

jueves, diciembre 11, 2008

Explicando-me

Faz algun tempo que não penso em outra coisa: essa é a sorte de ser uma estudante de jornalismo, com tempo para, de fato, mergulhar em algum tema. No dia 27 de janeiro partirei com a Giovana para Espanha, Marrocos, Argélia e para o Saara Ocidental (território em litígio que constitui o centro de nosso trabalho de conclusão de curso).

Explicado meu crescente interesse em temas relacionados ao continente africano. Muitos me perguntam, quase com recriminação, porque não penso mais no Brasil - já que temos problemas de sobra por aqui. "Não é preciso ir longe para se deparar com os problemas decorrentes do 'subdesenvolvimento'." De fato. Mas quero aproveitar esse espaço para dividir as questões que faço a mim mesma todos os dias e, quem sabe, esclarecer alguns por quês.

Ano passado fiz um curso no El Pais voltado para o jornalismo internacional. O tema, "África na sociedade global", levou à casa de campo de Miraflores de la Sierra gente como Ramón Lobo, um dos correspondentes mais respeitados da Espanha, e Isabel Coello, jornalista na região dos Grandes Lagos. Durante os oito dias, caí na real de que estávamos falando ali de problemas que também eram meus, que estavam ligados à história do meu país e, mais ainda, à história dos paises que, dentro de uma lógica cruel, fazem parte do chamado terceiro mundo.

O que acontece ali, logo ao lado, tem uma mesma raíz e as consequências da desigualdade, embora em outra poporção, são bem similares aos problemas que enfrentamos por aqui. A fome que se sente é a mesma.

Os problemas da África são nossos. Não basta se conhecer olhando no espelho: é preciso olhar para o outro, ao qual temos o costume de só reservar medo, preconceito e, na melhor das hipóteses, nossa compaixão individualista. Acredito (na minha humildade de 21 anos) que o jornalismo internacional voltado para os problemas das 52 nações africanas pode contribuir muito para que, desde aqui, possamos construir uma nova perspectiva de mundo. Nossa cultura só ensinou a olhar para cima.

Não digo que devemos nos unir à África da forma retórica e messiânica que Lula propõe, com toda a sua arrogância, desfilando em carro aberto ao lado do ditador do Gabão. Tampouco acho que o Brasil deva se colocar como líder nessa empreitada do sul contra o norte (que sabemos nós de liderança?). Sugiro o conhecimento mútuo, um conhecimento, quem sabe, "alternativo", capaz de dar conta de tantos anos de cegueira - quem na escola aprendeu sobre movimento pan-africano?

E lá vou eu com os meus ideais.

miércoles, diciembre 10, 2008

6o anos depois, ainda não aprendemos a lição


"Há exatos 60 anos, os países-membros da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A iniciativa, que contou com 48 votos a favor e oito abstenções, surgiu como uma reação mundial às atrocidades testemunhadas durante a Segunda Guerra (1938-1945)." (da Folha Online)

"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade."

(para ler a carta completa)

Silêncio


Não bastaram os cinco mil e setecentos estupros. CINCO MIL E SETECENTOS ESTUPROS. Já não falamos mais destas mulheres, tampouco falaremos muitos de seus filhos e netos, de suas doenças, de seu suplício. [salvo preciosas exceções: http://mediastorm.org/0024.htm]

Não bastou que, depois de dias de viagem e negociações, as forças humanitárias encontrassem, no lugar de duzentas e cinquenta mil pessoas, o grande vazio centro-africano. DUZENTAS E CINQUENTA MIL PESSOAS "desapareceram" dos acampamentos onde poderiam encontrar algo parecido com a paz (como usamos essa palavra fortuitamente!). O reforço de cascos-azuis chegou um mês depois.

Um milhão e seiscentas mil pessoas, UM MILHÃO E SEISCENTAS MIL pessoas foram forçadas a andar, andar... Seguramente continuam. Não sabemos ao certo. Depois de algumas semanas, o conflito entre forças de Nkunda e Kabila já não interessa. Optamos por ocupar nosso tempo e nosso espaço com a comemoração do aniversário de Ms. Britney.

A União Européia, por divergências internas, ainda não autorizou o envio de mais tropas. Mesmo que a atitude não gere nem pequenas soluções imediatas (vide ONU: haviam 17 mil soldados da organização no território, mas pouco mais de algumas centenas se deslocaram para as regiões de conflito), poderia configurar uma demostração de que, apesar de tudo, a UE ainda tem consciência de sua responsabilidade moral e política sobre o continente. Mas relevem o que digo eu e minha ingenuidade...

Os líderes que participaram do início das negociações Nairóbi, na segunda-feira, não esbarraram nem com Nkunda nem com Kabila. Por onde andam? Quantos direitos humanos estão sendo violados a seu mando enquanto a cúpula tenta decidir, depois de quase 5 meses de conflito, qual pode ser a saída? Por aqui, ainda não encontrei nenhuma.

*Mulher congolesa - AP

lunes, diciembre 08, 2008

Início da Primavera

Amêndoas. De Van Gogh para seu sobrinho, o pequeno Vincent.

domingo, diciembre 07, 2008

Cegueira

A mãe segurava-a pela mão, mas a pequenina era mais firme: era ela quem guiava a mãe. "Vem por aqui", dizia, responsável. A mãe sorria e se deixava levar. A filha já olhava por ela.
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Escrever multiplica a nossa existência.
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...Desculpando-me pela ausência.

domingo, octubre 05, 2008

Inflação primaveril

As três pequeninas andavam juntas pelo centro da cidade, cheio por conta do belo dia para compras e passeios. Aproximaram-se da banca que anunciava uma promoção de flores e plantas em comemoração ao início da primavera. Abrindo pequenos espaços entre a multidão, olharam bem para os preços, como que pesquisando. Mas a inflação não poupa nem as flores, nem ninguém. Por sorte, acharam uma margarida da cor que buscavam – amarela, como o laço que enfeitava os cabelos castanhos da menor. Puxaram a vendedora pelo avental e apontaram o que tinham escolhido levar.

As crianças das cidades geralmente têm uma experiência de jardinagem limitada. Na escola aprendem a plantar o feijão em algodão e só. Não costumam ligar mais para as flores até ficarem adultas, quando comprar ou receber uma flor assume significados diversos. Vai visitar? Uma gérbera. Nasceu o bebê? Uma violeta. É encontro? Rosas, sem pestanejar. Assim nos dizem - nada de plantar por plantar, nada de florescer por florescer.

Mas ali, em meio à passagem encardida da vida, numa pequena pausa na correria que não nos deixa tempo para flores nem crianças, elas juntaram as mãozinhas e despejaram o que tinham de moedas para comprar um lindo vaso de margaridas amarelas! Vi a cara da vendedora se impacientar: “quem vai contar tudo isso?”.

Depois de constatarem que havia o suficiente, perguntaram se um pacote com papel de seda e fita de cetim podia ser feito. “Mais dez reais”, disse com má vontade a boca no meio da cara redonda. “É mais caro o embrulho do que a flor...”, constataram na sua esperteza de seis ou sete anos. E, desapontadas, deixaram no lugar as margaridas amarelas, envoltas em plástico frio e transparente, assim, como costumam nos entregar a vida nos dias de hoje.

viernes, julio 11, 2008

A esperança veste rosa

A felicidade do nascimento só pode ser entendida quando você participa de um, mesmo que seja na posição de espectador, atrás de uma janelinha de 1x1. “Nasceu, Nasceu! É uma menina linda!”. Uns 7 celulares se revezavam no trabalho de informar, no menor tempo possível, a maior quantidade de pessoas. Maria Fernanda veio ao mundo e eu pude ver, disputando com outros cinco rostos um pedaço do vidro, ela tomar o primeiro banho, ter os 3,150kg pesados e o cordão umbilical cortado, ficar rosa com a roupa especialmente escolhida para o momento.

Ela no berço, quentinha dentro do embrulho que fizeram depois do banho; o pai ao lado, já contando alguma estória que nunca saberemos qual. Mafê sabia que era nova por ali e, certamente, preferiu ouvir o dono do pedaço antes de manifestar-se. Quando ele a pegou, deu para ver: a delicadeza da vida cabia em uma mão aberta. Do nosso lado, elogios e grunhidos próprios de adultos quando vêem nenês. Mas ela não ouviu e, mesmo que ouvisse, creio que iria preferir a estória do pai, qualquer que fosse.

Entre os afagos do lado de lá e as fotos do lado daqui, pensei em como é puro um bebê. Saint-Exupéry pode falar melhor que eu. Frente a uma criança que dormia entre os pais operários, durante uma viagem de trem, afirma “eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa de vida”. O autor de Terra dos Homens tinha percebido uma coisa importante: quando nascemos representamos possibilidades. Isso explica porque, enquanto olhava Maria Fernanda, tinha pensamentos de esperança.

Minhas idéias, que se (des)organizam em espiral, me levaram para longe: será que Hitler, ou Stálin, Mugabe ou Khomeini, ou...(é melhor parar por aqui) passaram por isso?! Não imagino como teriam sido seus rostinhos carinhosos e inofensivos, embrulhados em uma manta branca. E depois de pensar no que poderiam ter sido ao invés do que foram, pergunto-me: qual é o momento exato em que entortamos as crianças para que virem homens?

“Olha que linda a roupa rosa!”. Volto à janelinha 1x1, muito mais colorida. Observo o malabarismo da enfermeira para vestir os 48cm de gente: levanta, põe a fralda, vira (“olha os olhos dela!”), põe o tip-top; vira, põe a calça, a camisa (bordada na gola), o pulôver, enrola a manta, berço. A Maria Fernanda está prontinha para voltar aos cuidados da mamãe. Antes de deixar a maternidade, desejo que a Mafê nunca perca a curiosidade pelas coisas lindas do mundo. E que não esqueça de olhar, atenta e docemente, para as pessoas que estão a sua volta, contando-lhe estórias a todo momento. E lá vai ela, um pedaço de vida rosa, uma promessa bem vinda!

lunes, julio 07, 2008

Fotos


Pessoal, deixo o endereço do FLICKR onde disponibilizo minhas fotos. Como só estou começando, todas as críticas e sugestões são muito importantes!

www.flickr.com/entre_mentes

Espero que gostem!

Laurinha

jueves, junio 19, 2008

A África que a mídia adotou

Em um encontro sobre jornalismo internacional e África em Madrid, junho de 200, ouvi o jornalista espanhol Afonso Armada dizer que nós, que trabalhamos com informação, somos amigos das hipérboles: vendemos um mundo incompreensível, mas muito atrativo. Esse raciocínio pode explicar grande parte dos problemas que detectamos ao olhar para a cobertura jornalística, seja ela nacional ou internacional. No entanto, neste último caso, a visão hiperbólica tem efeitos mais profundos e menos corrigíveis. A idéia que fazemos da África e da sua realidade é um dos melhores exemplos.

A diminuição dos correspondentes internacionais em solo africano – causada pela falta de verbas e pela indiferença das empresas – é paradoxal quando levamos em conta o aumento da demanda por informação. Quando existem, as notícias limitam-se ao conteúdo das agências - que dominam o cenário internacional desde o século XIX, quando foram criadas - e reproduzem o desinteresse na mesma medida em que despertam uma compaixão passiva nos leitores-espectadores. A imagem da fome e da miséria dos africanos nos dá pena e, acima de tudo, tranqüilidade e confiança no modelo ocidental de desenvolvimento. Assim, nos afastamos cada vez mais do continente que tratamos como país. O problema não está só no trabalho agências, mas numa concepção distorcida de jornalismo.

Hoje, a cobertura internacional sobre a África se funda em um falso altruísmo: assumimos a responsabilidade de escrever a história da África (que sempre existiu através da oralidade). Mas, até que ponto essa história traduz a realidade? Ela dá conta da multiplicidade dos 52 países? Que futuro, que destino essa história está impondo aos africanos? Apesar do movimento pan-africano e os sonhos acalentados com as independências terem fracassado, a repórter Isabel Coello, que trabalhou por muitos anos como correspondente da agência EFE na região dos Grandes Lagos, defende que a África é mais viva do que vemos. “Algumas nações estão se fazendo mais responsáveis por seus problemas”, afirma. “A dificuldade é que a África não interessa”. Mas não foi sempre assim.

O jornalista polonês Ryszard Kapuscinski tinha argumentos fortes a respeito da importância do jornalismo para a África, sem cair nos simplismos e generalizações com os quais estamos acostumados. Em seu livro Os cínicos não servem para este ofício, explica que “a pobreza sofre, mas sofre em silêncio. Você encontrará situações de rebeldia só quando as pessoas pobres albergarem alguma esperança. (...) Essa gente não se rebelará nunca. Assim, necessita que alguém fale por eles. Esta é uma das obrigações morais que temos quando escrevemos sobre essa parte infeliz da família humana”. E não é perguntando a uma mãe com seu filho morto por desnutrição no colo “Como você se sente?”, que comunicaremos (no sentido de tornar comum) a África ao mundo.

A responsabilidade é ainda maior quando damos voz a um continente que não é nosso. Por isso, é necessário que levemos em conta sua multiplicidade, assim como sua história e particularidades sociais e políticas. Em um fórum sobre jornalismo realizado em São Paulo no ano de 2006, Robert Fisk, premiado repórter do inglês The Independent, admitiu que “a falta de perspectiva histórica em reportagens internacionais” é um dos grandes problemas da cobertura que temos feito. Além disso, devemos deixar de lado os simplismos: é indispensável não esquecer que, assim como há a África da AIDS ou da fome, há uma mais próxima, que é parte indissociável de um mundo que se pretende globalizado. Há também a África que investe em infra-estrutura ou a África das democracias – que, apesar de frágeis, despontam depois de anos de totalitarismos sangrentos. Ou, então, a África que abriga quase um sétimo da população mundial: uma África que tem vontade, quer e abre oportunidades.

Temos que aprender com a ironia de Binyavanga Wainaina, jornalista queniano. Em texto intitulado “How to write about Africa” (Como escrever sobre a África) ele observa: “A África é o único continente que você pode amar – tire vantagem disso. (...) A África é para dar pena, ser adorada e dominada. Qualquer que seja o ângulo que você escolha, esteja certo de deixar a forte impressão que, sem a sua intervenção e seu importante texto, a África está condenada”.

viernes, mayo 23, 2008

Brinde solitário


Entrou como se fosse da casa. Não era a primeira vez que estava no restaurante e já conhecia os degraus que separavam a entrada do salão. Não titubeou: escolheu a melhor mesa (são sempre ao lado de uma linda janela) e se sentou de maneira esparramada, num conforto quase forçado. Queria atenção e, para tanto, gesticulava impaciente para o garçom que, percebendo a aflição do cliente, apresentou-se solícito. O cliente foi rasteiro e, como diria minha avó, tratou o jovem atendente “com casca e tudo”. Pediu o mais caro tinto do menu para a entrada. Fechou o cardápio e aguardou olhando o movimento através da janela. É... Estava só, mas ainda tinha aquela janela...

Tinha bondade no fundo do olhar e os ares da maturidade precoce – ai, os ares da maturidade... - escondiam a carência do menino já homem, ou quase homem, ou quase menino. Tinha classe, e isso o que lhe importava. E a janela... através daquele recorte de mundo, via as senhoras e senhoritas, cada qual a sua maneira. Mal sabiam elas que, enquanto passeavam na noite, passavam pelo crivo do rapaz. Nenhuma lhe parecia bela o suficiente, mas isso não vem ao caso porque o vinho chegou rápido e o desviou de seus pensamentos.

O cheiro da rolha o fez fechar os olhos. Sem se dirigir ao garçom, viu o tinto encher um quinto da taça e rebolar com o movimento feito para que o aroma se apurasse. Num ritual conhecido, cheirou e bebeu e aprovou. E seguiu tomando, enquanto o prato principal não chegava. Mas também logo, chegou. E ele se refestelou sozinho, e criticou sozinho um tempero diferente, e sozinho devolveu os pratos ao garçom enquanto pedia um delicioso bolo de chocolate com sorvete para a sobremesa.

Não pôde dividir com ninguém a vontade daquele doce e, pior, o prazer satisfeito nas duas primeiras garfadas. Isso porque na terceira ele parou, olhando desolado para o pratinho decorado de flores. Sem mais nada a pedir, sem mais vinho na garrafa, se pôs a brincar com o bolo e o sorvete, transformando-os em uma papa mole e feia – assim mesmo como os pais não nos deixam fazer quando somos crianças. O garçom trouxe a conta, ele pagou e saiu como entrou, deixando para trás qualquer vestígio de solidão e criancice.
*Pintura de Judi Bagnato

jueves, mayo 22, 2008

Quero pousar!


Fernando Sabino começou a pensar no tema há bastante tempo. Coitado do mineiro... Na época devia ser ainda pior: sentar na janela e olhar as hélices até que, por algum infortúnio que secretamente imaginava, uma delas parasse de funcionar. Morria de medo, como eu e metade dos passageiros – provavelmente aqueles que descem do avião de nariz empinado, como se fossem pura coragem e tivessem acabado de enfrentar com destreza o monstro de lata!

Avião é coisa séria. Poderiam existir estudos antropológicos sobre o que uma viagem e nosso instinto de sobrevivência podem fazer. Os engenheiros todos são unânimes na hora de dizer que é o meio de transporte mais seguro. Mas tenho certeza que todos também já passaram por algum momento de desespero e que, nesse momento, não eram mais engenheiros – porque eram mortais. Eles, como eu, já olharam com desconfiança para aquelas figurinhas sorridentes do manual de segurança, e já sentiram no ar preocupado da aeromoça o sinal fatídico de que o serviço de bordo teria que ser interrompido por causa de uma turbulência.

Não adianta negar: esse sentimento que revira o estômago, que aguça nossos ouvidos e nosso nariz (para ruídos e cheiros que não estejam previstos no manual) existe em todos nós. Talvez isso explique o que, paradoxalmente, meu pai chama de “fenômeno inexplicável” (sim, ele é engenheiro). É só o avião tocar a pista que todos se levantam, mesmo sabendo que ficarão desconfortavelmente espremidos até que alguém se digne a abrir aquela porta. É a vontade desesperada de não estar a bordo quando o piloto resolver decolar de novo.

Já ouvi histórias cabeludas sobre vôos desgraçados, mas as nossas turbulências são sempre as piores, nossos pilotos são sempre os mais valentes (ou inconseqüentes). Os “sinais” que recebemos são sempre os mais fortes: “Uma vez fui viajar e vi três freiras na fila de embarque. E sabe o quê? Elas sentaram seis, seis poltronas atrás de mim! E na hora de acomodar a bagagem no compartimento, percebi que tinha colocado minha mochila em cima da bolsa de uma delas. Você acredita? Acredita que sobrevivi?!”.

Agora, com as promoções das companhias aéreas, democratizamos o medo de avião! A nação unida sob um mesmo objetivo: pousar. Aliás, quem fez festa quando disseram que o Brasil estava “decolando”?! Só o senhor Presidente. Também, com um avião daqueles, até eu, até Sabino.

sábado, febrero 02, 2008

De boca cheia

Há muito tempo não se via tanta água por aqui. A cidade amanheceu nebulosa e, pelo rádio, diziam-nos para evitar sair de casa. Mesmo assim, tive que contrariar o locutor preocupado: um exame me colocou na rua em meio ao aguaceiro que um dia foi Florianópolis. Felizmente não fiquei presa em nenhum alagamento, não cai em nenhum dos muitos buracos, nem mesmo me molhei muito. Mas pela televisão e através da internet não paravam de chegar imagens de pessoas sem a mesma sorte. Em poucas horas, a água tomou conta de ruas e casas, expulsando familias e tornando lama tudo o que elas tiveram que deixar para trás.

Zapeando, sequinha e no conforto do lar, sintonizei aquilo que parecia – ou deveria ser – uma reunião de autoridades (para as quais, sem remédio, entregamos nossa confiança a cada quatro anos). Conversavam sobre os problemas que eu tinha visto naquela manhã. Estranhamente, falavam como se o mundo que se derramava em gotas fosse outro, bem longe dali onde eles se apertavam. Uma espécie de distanciamento mórbido, uma negligência desmascarada exibindo-se em rede aberta.

Enquanto um ou outro tomava a palavra, os demais eram deliciados por pequenos e suculentos pães-de-queijo, que enchiam seus papos gordos e esfomeados. O desinteresse era tamanho que a autoridade-mor prestava mais atenção ao garçom, que não parava de suprir os famintos do alto escalão, do que ao colega político – que, por sua vez, utilizava-se da milenar arte da retórica para chegar a lugar algum. Mesmo se fosse perguntado, não poderia responder o que o governo vai fazer para evitar que a situação de calamidade se repita: estava de boca cheia.

Logo abaixo das caras refesteladas e quase preocupadas, uma legenda tentava avisar do problema aos telespectadores e cidadãos desatentos: “ Autoridades se reúnem para resolver a chuva”. Que bom! Depois do próximo pão-de-queijo, eles entrarão em contato direto com São Pedro! Assim se resolvem as coisas!

Inacreditável! E ainda tem gente que diz que temos sorte de morar num país sem grandes problemas geofísicos... Tinha prometido não fazer uma crônica política. Já temos o suficiente, não acham?! Sei que a cidade sobreviveu e que os danos materiais das tantas famílias são tão grandes quanto os danos morais que deixamos ocorrer, todos os dias, sob chuva ou sol. Mas a boca grande das 'autoridades' foi o fim.

Olho para fora mas a nebulosidade não me deixa ver aquilo que chamam de perspectiva.