lunes, diciembre 03, 2007

Souvenirs

Sou pragmática com algumas coisas. Escrever é uma delas. Não por qualquer frescura pseudo-jornalística, mas porque gosto de tempo para pensar e me expressar. Preciso digerir tudo o que rodeia meus pensamentos – e, garanto, não é pouca coisa. Sim, sim... Sei que não é desculpa para mais de quatro meses de ausência. Mas, acreditem: foram meses intensos, de viagens, despedidas, chegadas, readaptações, trabalhos e muitas, muitas histórias para contar. Agora, faltando apenas duas semanas para o fim do semestre letivo, sento-me para contar um momento, uma noite, mais especificamente, em que o pianista anônimo que completava com música minhas tardes de leitura na azotea acenou para mim. Que vocês me perdoem, e que desfrutem comigo as lembranças de minha última noite em Sevilla.
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Primeiro fui ao (meu) rio Guadalquivir para me despedir de Triana e da ponte que tantas vezes me serviu de vista. A turma tinha ficado pequena, já não estávamos mais em roda para começar outro piquenique com bolachas Príncipe e quesadillas. Lídia tinha ido para Jaen no dia anterior, agora era minha vez de voltar para casa. Lembrei das últimas semanas: deliciosa viagem com minha avó Lucia e minha prima Jujú, do norte ao sul e do leste ao oeste da Espanha; depois, dez dias incríveis em um mochilão pela Itália na companhia da Lídia e da Déborah (experiências que logo receberão uma crônica exclusiva). O que mais eu podia querer?

Nem a possibilidade de ter que pagar horrores na alfândega por causa do excesso de peso me desanimou. Inclusive, testei meu desprendimento material: deixei 10 kg, D-E-Z kg, de roupas na casa da Loren, e cada grama foi contabilizada (aliás, como temos coisas em demasia!). Com tudo “pronto” – SÓ faltava fechar as malas – saímos para comer umas tapas no bodegón ao lado de casa. Engraçado. A austríaca que toca o negócio nos serviu umas berinjelas recheadas que tinha acabado de fazer. Uia! Divinas! Dei-me conta de que nunca tinha comido neste boteco, mesmo estando ao lado de casa. Bateu um saudosismo pelas coisas que não fiz... Apesar do verão nada amigável de Sevilla, a noite estava agradável.

Logo reparei que logo acima da gente, numa casa estreita de tijolos à vista, uma janela se iluminava. Podia ver a silhueta do piano e do pianista – um jovem cuja existência era mais que sabida por todos da praça, mas que raramente era visto, nem na padaria, nem na farmácia, nem no bodegón. Não quero idealizá-lo: uma “aura” esconderia a simplicidade do garoto que, discretamente, nos acenou depois dos aplausos nossos e de outros com os quais dividíamos a calçada. Então era ele. Lembrei das tantas tardes em que, sentada no terraço na companhia de bons livros – muitos da biblioteca do Vicente -, ouvia seu piano tocar. Desde a primeira vez, decidi dedicar a ele uma crônica.

Pedindo licença para sonhar, confesso que achei que a apresentação daquela noite tinha sido planejada para mim – afinal, estava indo embora, era seu presente de despedida. E outra... Uma mera coincidência não seria tão poética! Quando parou e espiou pela janela, pedi uma música. Contente pelo sucesso, ele sorriu, sentou e tocou lindamente. Aplaudimos e ele se despediu fechando o piano. Pronto, agora já podia voltar para casa: conheci aquele que, anonimamente, tinha dividido comigo a paz das tardes na praça de São Marcos.

Voltei para minhas malas, nada musicais e muito menos amigáveis. Tomada pela música, percebi que o que eu queria levar não cabia na bagagem – mas nem a Ibéria, nem a imigração, nem a União Européia podiam reter. Era o cheiro que sempre reconhecerei, a vista que sempre estará na memória, a comida que sempre saberei o gosto, uma música que sempre será minha .

martes, septiembre 04, 2007

Clássico Marroquí II



Meknes tem a maior porta da África. Uma enorme porta branca, com detalhes árabes, que marca a entrada para a cidade imperial. Cruzando a rua na direção oposta, a medina. E, na entrada, não uma porta: uma praça, uma enorme praça onde víamos artistas, músicos, crianças e mais crianças aproveitando o final de domingo. Fazia frio e estávamos cansados de viajar. A mochila nas costas já pesava o dobro (em grande parte por causa dos extras, adquiridos durante o tour comercial em Fes) e a fome por comida de verdade não agüentava mais pãopãopão e pão.

Mesmo assim, Cristina ainda tinha pique e não relutou em entrar na roda quando convidada por um artista de rua. Estava cercada e não entendia nada do que o homem lhe pedia. Todos riam de seu sotaque meio italiano meio espanhol, pobre Cristina... Títere dos marroquinos que se divertiam com a figura rara: branquela com olhos azuis, mochila nas costas, meias até os joelhos, sandália de franciscana e requebrado nulo. Visualizam?! Pois bem... Depois da apresentação de Cristina, fomos abordados por Lasan, jovem com seus vinte e poucos, sotaque carregadíssimo, mas espanhol fluente. Ufa! Foi ele e seu amigo X que nos acompanharam pelo passeio no mercado de doces de Meknes.

Aliás...Que mercado! Todos as formas e cores de doces saltavam aos olhos e às bocas – sim, porque os vendedores queriam que provássemos todos, TODOS os sabores. No fim, como já levávamos pouca coisa, compramos mais alguns quilos de amendoados e melados como suprimento para a longa noite de viagem. E Lasan na cola. Foi bom porque, além de sua simpática companhia, ele nos guiou pelas já escuras ruazinhas de Meknes. E como nosso trem só passava por aquelas bandas às 3h da madruga (quando passava), tínhamos mais algumas horas para ver a cidade.

Pois surgiu uma idéia de Lasan, que trabalhava em uma pizzaria quase ao lado da estação de trem: “Podemos ir até meu trabalho e esperar lá”. Idéia aceita. O lugar tinha um nome italianíssimo, o que fez nossos dois exemplares da Toscana se sentirem mais perto de casa. Era bonitinha, com uma varanda bacana, mas já estava fechada e não nos restou nada mais que um cheirinho de pizza que se esvaía a cada minuto. Vários amigos de Lasan ainda estavam na área (a varanda era liberada pelo dono, mesmo depois do horário de funcionamento). Máximo quase nos vendeu por alguns camelos para aqueles simpáticos guris (brincadeira!!!).

Éramos muitos e, quando assim é, nada melhor que dividir em dois, colocar uns cestos de lixo como marcação e soltar uma pelota no meio. E daí não há mais língua, mais fronteira, mais diferenças. Pode ser uma retórica gasta, mas eu comprovei que é verdadeira: o futebol é uma língua universal. Durante a partida – na qual meu time perdeu de muito a pouco – ouvi vários “Ronaldinho”, “Rivaldo”, “Zidanne” e tantos outros. Surreal: 1h da madrugada, três estrangeiros (dois italianos, uma mexicana e uma brasileira espanholizados) e muitos marroquinos, jogando uma partida de futebol no meio de uma rua escura da longínqua Meknes. Como rimos! Como nos divertimos!

E depois do clássico marroquí, todos nos acompanharam até a estação para certificar que embarcaríamos direitinho. Antes do adeus e do salam, uma das garotas do grupo árabe nos ensinou a colocar o lenço na cabeça. Fomos assim, como legítimas muçulmanas (descontando as havaianas e os braços de fora) que voltamos ao nosso primeiro e último destino: Tanger. 6h desconfortáveis horas de viagem que, apesar de longas e cansadas, não foram suficientes para que eu pudesse me despedir do Marrocos que o trem deixava para trás. E desta vez não pude sentar na janela.

Shukram Marrocos
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Lasan tinha (e espero que ainda tenha) o sonho de ir para a Espanha estudar. Por isso começou aulas de espanhol e também por isso se aproximou de nós quando percebeu que era esse o idioma que falávamos. Ele acredita que com a língua fluente seja mais fácil para conseguir o visto.

Ao longo de nossas conversas percebi que, tanto para Lasan como para outros jovens marroquinos, a Espanha é quase uma obsessão. É um vizinho rico e próspero, tão perto tão perto que quase podem ver no horizonte. A esperança deles está lá e a proximidade com a cultura européia, mesmo que seja através de jovens turistas, é como uma corda, uma bóia salva-vidas com a qual eles podem contar para atravessar a fronteira. Indescritível, por exemplo, a expressão que ele abriu quando prometemos mandar postais desde Sevilla.

Creio que nossa passagem por Meknes alimentou uma ilusão que não saberemos nem desfazer nem suprir e que, no futuro, pode custar as esperanças de jovens bons e dedicados como Lasan. Alias, desculpe-nos Lasan... Nem o postal te mandamos ainda.

jueves, agosto 16, 2007

Clássico Marroquí - Parte I

Estávamos a caminho de Fes, cidade abraçada pelo reino de Mohammed VI. Por sorte, naquele trecho tínhamos conseguido uma cabine que não estava lotada e, por sorte também, me tocou sentar na janela. Meus três companheiros de viagem (a dupla italianíssima Cristina e Máximo, e Yenny, minha grande amiga mexicana, fazedora de quesadillas & guacamoles) recuperavam o sono que não matamos durante a noite em Asilah, um povoado na beira do Atlântico.

Peço licença para relatar brevemente nossa passagem por essa cidade: havíamos sido levados pela conversa de Omar e de seu comparsa Abdulah que, em cinco minutos, fez da casa onde morava com a mãe um hostel “bacana”. Os 5 euros que pagamos para dormir na sala do anfitrião incluíam o chá de boas vindas (delicioso!), o passeio na Medina, o tour pelas lojas de seus melhores amigos e a companhia de seu gatinho durante a madrugada insone.

Bueno... Meus companheiros dormiam agora e eu, forçando as pupilas, tentava absorver toda a África que me vinha através da janela do trem. Umas vezes ela se apresentava seca, pobre e suja – especialmente quando abríamos caminho pelos povoados mais isolados; em outras, era verde, viva (apesar do sol fulminante) e incrivelmente sedutora. Chamou-me atenção a quantidade de lixo pelo caminho. Todo aquele plástico acumulado tem uma explicação: os marroquinos foram apresentados aos produtos chineses – muito mais acessíveis que os produtos europeus. Agora até os tradicionais copinhos de chá vêm com o familiar selo MADE IN CHINA. E o plástico, material inútil até pouco dentro dessa cultura artesanal, simples e orgânica, ainda não conhece outro fim que não seja o de lixo que se acumula. Simplesmente não sabem o que fazer com ele. Então, aí fica.

E essa paisagem multifacetada, ora incrível ora cruel, me acompanhou durante o longo trajeto rumo ao coração do Marrocos.

Chegamos à Medina, ou a um dos lados dela. A de Fes é a maior do mundo, tem mais de 9.000 ruas e dezenas portas (informações do nosso poliglota guia Abdulah). Mas, como não fazíamos idéia de qual era a nossa porta (a dos turistas), acabamos entrando “pelos fundos”, onde vive a gente que nasceu na Medina, que trabalha na Medina e que só se sabe dentro dela. Correndo o risco de ser simplista na descrição de tal realidade, conto como me via: dentro de um formigueiro úmido e escuro, de ruazelas que não levam a parte alguma, de casas aglutinadas e disformes, parado em algum lugar no passado onde mulas e gentes, animais que são, ainda dividem o solo para dormir.

“Resulta difícil saber por que aquela gente construía a um modo tão estreito e acumulado, por que tinha que se apertar tanto que um se subia na cabeça do outro. Para defender melhor a cidade? Ignoro. Mas, por outra parte, essa massa de pedra amontoada em um só lugar, essa acumulação de paredes, esse empilhamento de pórticos, nichos e tetos permitiu conservar e preservar – como em uma caixa de gelo – um pouco de sombra, frescura e até suaves correntes de ar nas horas de meio-dia, do calor mais agonizante.” (Ryszard Kapushinski, Ébano)

Por essa labiríntica cidade antiga passam meninas com os cabelos cobertos levando, com todo o seu cuidado, o pão para o forno de barro e lenha; descem mulas carregadas, sobem mulas mais carregadas ainda; crianças guias disputam cada pedaço de turista como se fosse um bolo de chocolate que nunca viram, nem saborearam. Homens, muitos homens, vendem tudo o que fazem – e fazem tudo! De couro a remédio, de massagem a jóias. Os lenços pendurados dão cor às ruas de pedra. Aqui e ali as pessoas se cumprimentam, se beijam, esfregam a barriga em sinal de agradecimento por algo ou apertam o peito esquerdo em mostra de amizade e confiança.

Por esse mundo novo passeamos durante um par de dias – tão curtos, tão rápidos, tão insuficientes. E vimos e compramos e andamos, e andamos, e andamos... Fes nos acolheu em cada beco com “shukrams” (obrigado) “salams” (olá). Só a despedida de nosso guia não foi muito amistosa: depois de ganhar todos os dirhams que tínhamos no bolso (que somaram quase 20 euros), o jovem de 20 se afastou bravo, sem apertar a barriga nem esfregar o coração.
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Continua...

martes, junio 19, 2007

Manu foi-se embora






E agora?! Quem vai rir quando eu bater a cabeça às 7h da manhã em um poste?
Quem vai pintar minhas unhas de vermelho no terraço?
Quem vai dividir comigo os pecados contidos numa casquinha de sorvete?
Como vou fazer quando quiser dançar feito uma louca no meio de uma festa bichogriloalternativa? Quem vai me acompanhar nesse mico? Quem???

Será impossível divertir-me sozinha ouvindo “Los 40 principales”...

E chegará sexta-feira e terei que caminhar até El Rinconcillo sozinha, sem ninguém para brincar de passarela comigo pela rua.

Quem vai ter ataques de riso quando o motorista de ônibus engrossar ou quando o garçom brigar comigo?
Quem vai me dar bons toques de moda e quem me informará das melhores liquidações da cidade?
Quem provará comigo todos os perfumes do Corte Inglés sob os olhares fulminantes das vendedoras?
Quem será minha irmã mais velha, preocupada, conselheira e amiga?
Quem? Quem? Quem?

Não quero fazer drama. Sei que volto logo (sorte que nos vemos logo!). Poderemos fazer tudo novamente Manu – apesar de nos reconhecerem aí!

Mas a verdade é que a habitación ao lado da minha já sente a tua falta! E eu também...

martes, junio 05, 2007

Raízes


A beleza dos quadros foi bondosa. Permitiu-nos até chegar perto, para certificarmos que ali estavam as pinceladas. Não intimidou. Convidou cada um dos visitantes a entrar no universo da paleta colorida. Era como o anfitrião nos dissesse: “Passem, conheçam minha vida, sintam-se a vontade, meu quarto é de vocês”. E assim entramos no quarto de Van Gogh, caminhamos por seus campos, acompanhamos o jantar de seus plantadores de batata (até onde a chama da única vela agüentou).

Já no final da exposição, Tree Roots, com os azuis e amarelos que só ele sabe como usar, nos propós pensar em o que, realmente, nos liga a terra, nos faz forte e nos protege: raízes fortes, nada mais. “As if they were grimly and passionately rooted into the earth and yet half torn loose by the storms. I wished […] the black, testy roots with their knots to express something of the battle for life”.

Fácil entender sua relação com o irmão Theo, sua única morada e porto seguro.

Ao final das linhas nos foi possível descobrir o que achava ele da vida e do mundo. Sua mente perturbada (ou seria a nossa, de não ter entendido antes sua lógica), de forma incrível, formulou raciocínios tão simples e coerentes que até hoje desconcertam quem traduz sua linguagem. Não é lero-lero pseudoartístico. É só uma dose de Van Gogh: a esperança, perseverança, amor, ambição e realização que buscamos descobrir nos matizes de cada dia. E que, no fundo de sua loucura, ele encontrou.
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O fim da tarde era de um laranja quase ofuscante (saberia Van Gogh reproduzi-lo?!). O caminho florido deixava evidente a primavera e a estrada de mais de 1300 km chegava ao fim. Passamos por tanta gente, tanta cidade, tanta história que me resulta difícil organizar um raciocínio (por simplista e reducionista que seja):

Frankfurt, a chegada, os abraços e beijos, a saudade acumulada que, num despejo de emoção, desaparece. Inicio de viagem, vontade de gritar: mundo apresente-se!!!!

Cidades sem nome ao longo do caminho tiveram papel de coadjuvantes dignas de Oscar.

Colônia, com suas cervejarias e seu goulash – incrível! A catedral é – arrisco ser simplória – mais que grandiosa. É imponente.

Amsterdã nos recebeu da maneira mais incomum que poderíamos imaginar: quase de atropelo, literalmente! Linda, original, caótica.

Brugges é o sonho na Terra, o conto de fadas que idealizamos de pequenos. A história doce e crua que só deixa a desejar o cavaleiro e a princesa.

Paris é Paris. E Paris é quase tudo! É arte, é história, é arquitetura. Seus cidadãos podem gabar-se do que possuem – e o fazem!!!

Madrid representa laços e passados que adoramos recordar! Passamos lindamente, ao lado da família que tanto hechamos de menos y tanto amamos.

A Toledo de Don Quixote é fantástica, de pedra, uma fortaleza que permanece parada no tempo guardando espadas e segredos entre as ladeiras.

Mas, voltando ao carro e ao final de tarde que nos saudava, me dei conta que, poderia ter mudado o nome de todas as cidades pelas quais havíamos passado; poderia reduzi-las a uma se uma condição se mantivesse: a companhia da minha família. Estava chegando a Sevilla depois de oito dias de sonho, oito dias de surpresas e experiência, e me sentia plenamente feliz. Van Gogh sabe do que falo. Quando se tem raízes fortes e pode compartilhar com elas o caminho, todos os destinos te levarão de volta para casa.



*Vivendo um conto de fadas com a família que eu tanto amo. Brugges – Bélgica.

jueves, mayo 10, 2007

Cultura ou tortura?


Atrasada, para variar, entro pelo portão 18. Sem a opção de chegar ao assento que era meu por direito, provado pelo bilhete de 21 euros que possuía, sentei-me ali mesmo, no que sobrava de espaço entre a passagem e uma fila de espectadores. A cancela se abriu e, ao ver o touro sair em disparada com sua força, velocidade e valentia quase que divinas, tive a sensação de que o anunciado espetáculo sevillano seria mais do que uma prova para o estômago: seria uma prova para a minha consciência (já levemente arrependida por haver me permitido estar ali). A seguir, minha tentativa de redenção...
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Arena lotada. O toureiro, aquele ajoelhado em frente à cancela, pronto para dar as boas vindas ao desafiado sob os gritos de “olé”, suja de terra as calças justas e acinturadas. Além de visíveis intenções de chuva, havia algo de Pão e Circo no ar. Engoli seco. Sai o touro, levanta o toureiro o pano rosa e amarelo, faz pose, sai. Entram os 6 ajudantes, cada um com igual capa bicolor.

Os seis se revezam, toureiam, livram os companheiros de invertidas não esperadas. Com o que sobra de minha atenção, prendo o ar nos pulmões e o som da corneta rouca que agora cala a multidão me faz pensar que, por algum milagre (o algo mais factível como a tempestade que se aproxima), os organizadores tenham decidido cancelar o show.

Entre esse instante e a entrada de um cavaleiro na arena, tenho a ingenuidade de pensar que o animal ainda sairia vivo dali. Não poderia estar mais equivocada! Desde seu cavalo (outro pobre animal que vendado, aceita sem lutar os golpes dos chifres), ele espeta o touro bem no dorso. E usa os pés para tirar a lança do couro espesso. Não consegue. O público se agita, o touro mais. Por fim, a lança sai. E sai sangue, e mais. E sai.

Mas o touro segue forte, os ajudantes percebem e se antecipam a picá-lo com bandeirolas. 1, 2, 3 agulhadas. Isso é o que eles chamam de “igualar forças”. Com quê motivo, não sei... (posso sugerir 'autoafirmação-atropocentrista crônica', se os satisfaz).

Um deles perderá, ou o toureiro ou o touro. E todos fazem de tudo para que seja o touro, é obvio. Dou-me a liberdade de constatar que o motivo do espetáculo é a morte do boi. E esse é o aspecto macabro da coisa: todos se divertem!!!

Vibram ao ver o animal se ajoelhar diante do toureiro – que só entra depois que o touro já está visivelmente debilitado; pedem música para embalar os grandes momentos do herói de calças curtas e pose soberba; reprimem quando o bicho não é suficientemente “bom” (é dizer, quando se recusa a lutar e a revidar as provocações. Mas os homem esquecem que talvez ele só esteja querendo acabar logo com a situação vexatória em que se encontra. O instinto de não querer dor é dos animais, sapiens sapiens incluídos).

Minhas mãos suam e meus olhos já se preparam para esconder o iminente golpe fatal. Por sorte do touro, ele não tardou. Pouco acima da cara, certeiro. E ele cambaleou, de um lado, de outro e, por fim, o animal que eu havia visto entrar esplêndido em seu tamanho, forte, vigoroso e violento caiu quieto à margem da arena, pequeno diante do ego de seu carrasco. Sorte do cavalo, que entra e sai vendado. Palmas. Acabou-se a primeira tourada de seis. Engulo seco e vejo que a chuva de fato se aproxima rápido, mas não a tempo.

viernes, abril 27, 2007

Sevillana em 4 lições



Sevillana #1

... E fez-se a luz em Sevilla! E foi na meia-noite de hoje, dia 23, no terreno que abriga as milhares de “casetas” que formam a grande Feria de Abril. Da varanda do oitavo andar pude ver El Alumbrao (o momento em que iluminam a portada e as ruas), e emocionar-me com ele. Em poucos segundos o terreno antes escuro se converteu em palco: danças, trajes, cavaleiros... Um grande espetáculo regado a reburritos – uma mescla estratégica de manzanilla e 7Up para prorrogar a borracheira.

As casetas são, basicamente, pequenas tendas privadas. Cada uma tem sua decoração, seu bar, sua música. E os convidados são amigos (ou amigos dos amigos) dos donos. E é nesse espaço estreito e comprido que a feria acontece. Foi numa dessas, na Sugerencia – sim, cada uma tem um nome diferente – que “aprendi” a dançar a sevillana número 1.

Primeira lição: conhecer a música. Segunda lição: me perdi neste ponto... Coordenar braços e pés só pode ser um dom divino. Suspeito que Deus seja sevillano!



Sevillana #2

Feria dia 2 – se é que é possível dividir o tempo em dias durante a Feria... Como algo natural, eles são simplesmente emendados. Não há noite ou dia, ou hora de comer ou hora de dormir; sempre é hora para o que se quer, seja isso uma dança ou uma tortilla.

O calor infernal pouco importa também. As mulheres, que por algum encanto cigano seguem impecáveis, desfilam trajes e cabelos. Agora as luzes têm que dividir espaço com as cores das saias! Caminhei feito uma louca na inútil tarefa de tentar, com um clique, captar a estética da coisa.

Não tem nada mais gracioso que uma garotinha de três anos, com seu leque e seus brincos amarelos, bailando graciosamente uma sevillana. Não tem nada mais engraçado que ver uma guiri (uma estrangeira, como eu) tentado, sem sucesso, terminar a música no tempo correto.

Onde estão meus genes espanhóis que não se manifestam???



Sevillana #3

O mais sevillano dos dias: tourada + traje flamenco + Feria. Sim, mais um dia de Feria! Mais um dia de sevillanas (e, por fim, de alguns acertos) e desta vez, como manda o figurino. Até a sevillana número 2 comecei a aprender! O espírito de festa faz milagres...

Outro milagre foi eu ter ido à tourada – tema para o qual reservarei as próximas linhas deste blog. A noite terminou com em grande estilo ao som de La Cucaracha, a pobre que já não tem as patas de trás.

Terceira lição: nem a chuva tira a disposição dos sevillanos!



Sevillana #4

Não poderia imaginar final mais inusitado para uma semana de Feria: um almoço mexicano ao som de música brasileira! Graças à disposição e ao talento culinário da Yenny, minha amiga de Cancun, nos deliciamos com quesadillas e burritos. !Gracias chica!

Quarta lição: A Loren me disse que para ser boa, a Feria precisa ser aproveitada em boa companhia. A teoria foi confirmada! Gracias a los amigos, y a los amigos de los amigos.
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lunes, abril 16, 2007

Lisboa: o melhor para si



Lisboa, ah Lisboa...

“Tome minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.”

A vontade de aproveitar o tempo que me foi presenteado com as comemorações da Semana Santa nos levou até você. Manuela, Yenny e eu compartilhávamos o desejo de conhecer-te. Não foi ao sabor da sorte, senão da vontade que paramos, depois de 8h de ônibus, em seu metrô – a Lisboa subterrânea, a minhoca responsável por permitir a terra fértil de cima.

Não tivemos uma recepção muito calorosa por parte da chuva e dos tímidos 8ºC que nos esperavam na superfície. Sua redenção, no entanto, foi rápida: depois de sofridos 15 minutos estávamos sentadas em uma de suas padarias, tomando um café quente e comendo um pãozinho que só você, querida Lisboa, poderia nos proporcionar! Era a Capri, ao lado de nossa pensão. Foi ali, ao lado do letreiro de néon “o melhor para si”, que tomamos inesquecíveis cafés-da-manhã nos dias seguintes.

Lisboa querida, a santidade de seus Manoéis e Josés foi confirmada em cada broinha, em cada pastelzinho de Belém, em cada bengala de gergelim, em cada garfada de bacalhau à Brás. Até pão-de-queijo, PÃO-DE -QUEIJO, uma de suas padarias nos preparou.

Mas você nos guardava mais. Nem a “rusticidade” (isso é um eufemismo para “decadência”) de nossa pensão, nem o desespero de caminhar horas baixo chuva e frio puderam diminuir o valor de tudo o que aprendemos e conhecemos entre suas ladeiras e bondes.

Você nos abriu o céu nos dois dias seguintes, nos guiou por Belém e pelos caminhos da Alfama. Convidou-nos a conhecer seu castelo e seu aquário, seu teleférico e seu elevador, seu bairro alto e suas ruas menos ilustres (mas não menos encantadoras). Colocou no nosso destino a melhor cafeteria do mundo, antecipando o fim de minha jornada em busca dela.

Ergueu um monumento por terras que buscou no além-mar. Acolheu à gente (e quanta gente!) que veio de lá. Brasileiros que já foram seus e que, sem remorsos, trabalham por um crescimento, seu e deles. Cuida deles Lisboa!
Não pretendo ser um Pero Vaz ao revés e espero que me entenda. Sai do metrô apenas com curiosidade, duas amigas e alguns euros. Voltei com as amigas, com alguns euros a menos e com a impressão de que você, Lisboa, guarda bem os seus encantos e os revela, pouco a pouco, para nunca deixar de nos surpreender.

“E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.”
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Amigos, peço desculpas pela falta de objetividade nesta postagem. Já dizia Chico: “No fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo”. (Essa é para minha mãe que, apreciadora de uma boa música, sabe o Fado Tropical até de trás para frente!)

A única coisa que não pude realizar nesta linda viagem foi uma visita aos queridos amigos Rita e Rui, que estão em Porto. Não me preocupo de pronto porque sei que o momento chegará. Ojalá!

*Na foto, eu em frente ao Memorial do Descobrimento.

martes, abril 10, 2007

Quando se discute religião



Fim de Semana Santa. Entre o jamón e a tortilla de patata, minha torta salgada parecia uma intrusa na mesa dominada pelas iguarias espanholas. Valente e já pela metade, a brasileirinha de cebola, tomate e carne observava atônita a conversa acalorada. O tema, “Semana Santa: devoção, religiosidade ou espetáculo turístico?”, enchia o buraco da roda formada por 13 espanhóis (uns laicos, outros nazarenos, e outros mais ou menos um pouco de cada) e duas outras brasileirinhas, igualmente intrusas.

Uma delas era eu. Na hora que se seguiu, pude verificar e comprovar quase cientificamente que a imagem do espanhol bravo, teimoso e cabeça-dura é real. Deus! Até a corajosa Esperança Macarena, santa que sai de procissão mesmo em dias chuvosos e recebe os gritos de “guapa” por onde passa, foi alfinetada.

Uns diziam que a Semana Santa de Sevilla, “a maior do mundo”, tem pouco caráter religioso faz tempo, e que quase nenhum espectador das procissões esta lá por fé ou devoção. “Possui sim um grande valor, mas é um valor mais cultural que católico”. Eu muda. “Quem diz isso é laico, mas ninguém que tenha algum laço espanhol pode se afirmar laico. Todos nós temos uma pontinha católica”, rebatia um lado. “Eu sou espanhol e não tenho religião !hombre!”, dizia alguém que tentava ser ouvido.

(Neste momento, não pude deixar de lembrar de meu pai: “!A Saragoza o al pozo!”)

“Mas você não pode dizer que a música, que a estética da coisa de maneira geral não te comova. É claro que comove! Você não precisa ser católico para sentir”, dizia uma devota. Em uma brecha, fui solicitada: “Vamos deixar quem veio de fora dar sua opinião!”. Tentei ser neutra e puxar o tapete para o meu lado, falando um pouco das comemorações no Brasil. A voz da razão me dizia que não seria responsável jogar lenha na fogueira. Amém!

Em poucos minutos a discussão já enfocava a maneira como representam Cristo levando a cruz, se é física e anatomicamente possível ou não. Uma loucura! Já havia percebido a importância da religião católica na cultura espanhola, mas não imaginava o esforço argumentativo poderia suscitar!

Ao final, todos seguiam amigos, é claro. E, as quatro da madrugada, depois de fado, forró e vinho (rolou tudo isso, juro!), foram todos para a rua ver a última das procissões, devotos e não. Eu fui dormir, mas me disseram que o passo não contou com muitos seguidores – certamente porque era fim de festa, sábado de madrugada, e os sevillanos tentavam se recuperar da semana de vigília.

No dia seguinte restava a cera nas ruas, as fotos, o cheiro de incenso na casa e alguns pedaços de torta de carne. A famosa Semana Santa de Sevilla passou linda, como passou a Macarena, com suas velas e suas flores, diante do balcão onde eu estava. !Guapa!


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*Fotos: 1- Esperança Macarena, esplêndida. 2- Reunião para acompanhar as últimas procissões. Fado, forró, boa comida e risadas. Agradabilíssima!

Próximo post... Lisboa: o melhor para si

domingo, abril 01, 2007

Um post apressado!





Caros amigos... O dever de aproveitar minha viagem - lembrado e relembrado muitas vezes por todos antes de minha partida - me consumiu esta última semana. Sorte a minha! Tenho muitas, MUITAS coisas para dividir com vocês, mas em duas horas parte meu autocarro para Lisboa - onde, além de confraternizar com o colonizador, pretendo encontrar respostas para a mãe-gentil.

Até a minha volta, deixarei vocês com a Alhambra, momumento que concorre ao posto de maravilha do mundo. E é. Senão uma das 7 (aliás, não sei porque temos que reduzir a 7 as infinitas maravilhas do mundo), a oitava.




Com carinho e saudade.

miércoles, marzo 21, 2007

Antoine, Rinette e eu





Acabo de ler Cartas de Juventude, de Antoine de Saint-Exupéry. Gulosa que sou, devorei os escritos em uma tarde – inspirada talvez pelo barulho da fonte, aqui no solário da faculdade. Ao final, já fazia minhas as palavras endereçadas a Renèe de Saussine, a Rinette de Antoine.

Ele sim sabe escrever. E, mais que isso, sabe ver nas coisas os detalhes mais lindos. Talvez por ele, ou talvez pela necessidade de consumir o recheio de tempo que encontro entre o almoço e a oficina de fotografia, ou talvez pelos dois, me vejo com a caneta na mão, pronta para escrever-lhes. Esta postagem é uma carta de juventude, e espero que cada palavra possa levar consigo o sentido da minha, que é generosa.

São 4h da tarde e o sol ainda queima leve. Está adiantado. Insiste em tomar o lugar do persistente friozinho europeu que, posso ver, logo se vai de vez. O azul que acompanha o sol é puro, puro azul. E não é egoísta porque, durante as noites, divide a atenção com as estrelas.

O ambiente me faz esquecer da pequena dor de estômago, provocada ou pelo café solo que acabo de tomar, ou pela apreensão de já estar longe há tanto tempo, ou por simplesmente pensar que pode ser o café e a apreensão.

Problemas estomacais são menores quando se tem o cheiro das flores de azahar que, por um desapego comovente, dividem com os sevilhanos esse doce que produzem: pretensão tentar descrevê-lo. Como conclui Antoine, definitivo, em uma discussão literária sobre os “cumes sublimes”, os “horizontes leitosos” e as “rochas douradas”: “São o Cume, o Entardecer, a Aurora (...). Quanto mais os descreve mais impessoal fica”. Então, são só as Flores de Alzahar.

Não quero embelezar nada, não vejo necessidade. Ficarei contente em saber se pude transmitir de forma sincera e profundamente carinhosa, uma tarde ao sol de Sevilla.

“Rinette, adeus. Talvez encontre suas cartas na volta. (...) Com esse tempo tão doce todo mundo tem um segredo. Mas é sempre o mesmo. Pois olhamo-nos e sorrimos. E para sorrir não é necessário saber três palavras de espanhol, então sorrio... Tenho o papel de carta na mão caso sinta vontade de escrever-lhe ainda esta noite. E se não escrever...

Antoine.”


*Nas fotos, eu, o jardim do Real Alcázar e os Almendros roubando a cena.

lunes, marzo 12, 2007

Ao pedir dois cortados

Segue o relato de uma coisa que não me agrada. Receio parecer desagradável com este post, mas nem tudo são flores... Faz parte! E como relato de viagem, acho (e espero) que seja válido. Aí vai!
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Manu e eu. Entramos em um café que há tempo nos chamava a atenção. Na vitrine, lindos doces de amêndoas e de chocolate dividiam espaço com grandes pedaços de presunto. Local movimentado, pessoas sentadas e pessoas em pé, sorvetes apetitosos por apenas um Euro. Pronto! Havíamos descoberto mais um daqueles cafés, que enchem Sevilla de aroma e calorias impróprias.

Fomos direto ao balcão, já que sentar à mesa tornou-se, digamos... um luxo. “Hola, buenas noches. Dos cortados por favor!”. As palavras foram acompanhadas pelo velho sorriso que a vida no Brasil nos ensinou a dar. Aquele sorriso não forçoso nem exagerado. Simpático e natural, próprio daqueles que prezam por um mínimo de cordialidade.

Logo, dois pires foram arremessados, literalmente, em nossa direção. Preparamo-nos para o bombardeio que prevíamos acontecer: dois saches de açúcar e duas colheres voaram livres pelo salão e pousaram male mal no pedaço de balcão que nos correspondia. Sem jeito, pedi que ele trocasse o meu pratinho porque estava sujo. De mal grado, me deu outro. Ou melhor, me atirou outro.

Antes de vir recebi avisos e conselhos sobre este comportamento freqüente de desdém. E até agora, acho que consegui levar numa boa. Mas não aquele dia! Depois de ver o leite do cortado se esparramar pelo balcão – já que não fora despejado com delicadeza alguma - decidi falar alguma coisa.

Lembrei da Loren me incentivando a dizer aos espanhóis que deixem de ser presunçosos e mal-educados. Lembrei do meu pai, contado o drama que pode se tornar o pedido de um croissant com queijo e presunto em Barcelona. Lembrei de minha mãe me dizendo na pré-escola que eu não precisava levar desaforos. Lembrei de um artigo que li sobre como os europeus, de modo geral, estão se tornando pessoas anti-sociais. E falei.

Na hora de pagar, com toda a educação, disse que no havíamos sido bem atendidas naquele local. Fui cortada por um “Si. Y?!”. O homem nos deu as costas e saiu, como se não se importasse – e de fato não se importava – com a informação.

Estou fazendo um intercâmbio. Estou aprendendo muitas, muitas coisas legais. Mas se supõe que deva ensinar muitas e muitas também! Não foi desta vez que consegui. Mas não desistiremos, Manu, eu e nossos sorrisos.
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Mono no me no
Araware ideshi
Daiji kana


Que los brotes de las cosas
Salgan y aparezcan…
¡Es el fundamento de todo!


(Haiku do livro de Vicente Haya, ex-marido da Loren, filósofo, escritor, e dono da biblioteca)

*Na foto, eu em boa companhia. Um lindo dia de piquenique no parque Maria Luisa. Crédito da foto à função automática da minha nova câmera!


miércoles, marzo 07, 2007

Grandes obras


Fui viajar e não fui sozinha. Meus companheiros de excursão foram Pablo (o Picasso), Juan (o Miró), Salvador (o Dali), o Chico (Goya), um holandês chamado Vicente e um outro “carinha”, o Tintô (...retto). A excursão estava cheia: Tolousse-Lautrec e Matisse se empuraram para entrar no busão já lotado. Modigliani foi mais esperto e se meteu no porta-malas. Manet dividiu acento com Monet e Degas acabou ficando de pé. Mas foram todos comigo nesta viagem – que de ruim só teve o pop-flamenco do motorista.

Fomos todos a Madrid. Mas também fomos a Guernica. Aprendemos com um simpático professor de história da arte, acompanhado por 40 crianças de olhos arregalados e dedos cheios de perguntas, que a luz no topo do quadro-poesia é uma luz de esperança. Seu discurso arrepiou até Velásquez (bem discreto até então).

Aprendemos, nós, as 40 crianças e todos os outros que espichavam cabeças na sala lotada, que Guernica não é um quadro de guerra, mas sim do que queira nossa imaginação e nossa vontade de interpretar. Percebemos que há uma parte do quadro que grita e outra que cala. Há também a mãe com o filho no colo, uma Pietá quadridimensional de puro sentimento.

Depois de deixar meus companheiros no Museu do Prado, fui para a parte 2 da minha vigem. Uma viagem ao passado. E que lindo passado! Um passado imortalizado nas deliciosas histórias do Tio Luis, irmão do meu avô (como àquela que se refere ao encontro de meu pai com a minha mãe e que, depois de uma ajudinha de leve do próprio tio Luís, resultou em namoro e em casamento). Um passado com cheiro inesquecível de Cochinillo, feito no Botin - o restaurante mais antigo do mundo e o mais freqüentado pela minha família. Passado de fotos da Tia Maria Rita, tão carinhosa e alegre. Passado de futuros, em cada um dos meus priminhos encantadores! Uma viagem de conteúdo histórico, familiar e sentimental, acima de tudo!

Nesta viagem que foi muitas, também descobri tesouros: tios, tias, primos e primas, de inúmeros graus de parentesco. Seu valor não foi ainda calculado, mas deve superar o da obra de Picasso – ele mesmo me garantiu que sim.

Essa é minha desculpa por não ter atualizado o blog nestes últimos dias. Tenho certeza de que, felizes, aceitarão.




sábado, febrero 24, 2007

Calle Vergara, 07 - Macarena/Sevilla - España 41003




3h da madruga, vontade de água. A incursão delicada pelos cômodos e corredores escuros, no meio da noite, não é difícil quando estamos na nossa casa. Não há degraus-surpresa, nem precisamos ligar a luz para saber onde está o copo, o pacote de bolachas ou o fósforo. Está tudo na cabeça, os movimentos são praticamente instintivos, certeiros.
Quando cheguei na pequena-grande casa situada no número 7 da rua Vergara, não imaginava que uma das primeiras instruções da anfitriã seria sobre como utilizar os interruptores - que não são poucos! Depois entendi: a casa da Lorenza tem 3 andares e um 4o que pertence aos gatos (o terraço). Todos eles são cortados por um confortante corredor de luz que vem da clarabóia - que nos permite ver cada detalhe da torre gótica da igreja de São Marcos, a vizinha da frente.
Meu quarto deve ter 3,50m por 2,50m (relevem minhas noções de medida!). Poderia ter escolhido o maior, com cama de casal. Mas preferi a janela! Linda, mais ou menos 1,50m de luz e de Sevilla. A cortina florida e pesada completa o estilo delicado da habitação. Uma estante para meus livros, uma praia de aquarela na parede salmão. Um chão de mármore quase branco e gelado que obriga aquecedor. Ao lado da cama, uma cômoda com fotos indispensáveis e (mais) livros idem.
Quando os sinos me acordam - literalmente - tenho que descer um lance para chegar à cozinha, e mais um para chegar à biblioteca (de onde vos escrevo). E, voltando à vaca fria, daí a importância dos interruptores inteligentes! Sempre que se quer subir ou descer e se acende a luz da escada, há outro interruptor bem no fim do trajeto para você poder apagá-la sem ter que descer ou subir tudo de novo. Acreditem: essa informaçào é importantíssima!

Mas estávamos na biblioteca... - personagem antiga deste mesmo blog. Ela é maior do que a foto pode mostrar e, em seu formato de L, acolhe um lindo e fresco jardim de inverno (ou verão). Em julho este é o melhor lugar da casa para driblar o calor de 50 graus (para mim, é o melhor lugar o ano inteiro!).
Três ambientes em um só: um para leitura, um para os computadores e um para a música. Aconchegadamente linda! O teto é de madeira clara e temos a opçào de sentar em pufs indianos, bancos de madeira ou poltronas confortáveis e quentinhas.

É em uma dessas que estou agora. Escrevendo e ouvindo o CD de um cantor de camarões que ouvi em uma rua do centro. Estou tranquila porque sei que quando subir as escadas escuras para meu quarto, daqui a alguns minutos, não precisarei da ajuda dos interruptores. No número 7 da rua Vergara já sei andar no escuro.
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Quando escrevemos o que vivenciamos, temos uma experiência dupla: lembrar do que foi especial e reinterpretar a vida de maneira criativa e saborosa (degustando cada vírgula e cada exclamação). Essa idéia maravilhosa, que dá ao escritor que nela acredita a oportunidade de tornar únicos os detalhes mais banais, foi a coisa mais legal que já ouvi classe de jornalismo: a maioria das vezes que escrevemos uma matéria, perdemos a oportunidade de torná-la singular no meio da avalanche midiática.
*Crédito das fotos à Manu


martes, febrero 20, 2007

Durante a Siesta...


A siesta é uma coisa engraçada. Antes de chegar aqui nessa cidade de ruas estreitas tinha dúvidas sobre a existência desta soneca coletiva: eles teriam mesmo a coragem de parar uma cidade para dormir?!? Têm. E, se você pensa que só alguns estabeleciementos fecham, que só alguns voltam para suas casas para dormir das 14h às 17h, está enganado. Todos se vão, a cidade vira um fantasma labirintoso e de portas fechadas. A polícia fecha, a prefeitura fecha, a padaria ... A PADARIA FECHA!


Tenho fortes indícios de que é nesse horário - fatal, eu diria - que acontece a mairia dos casos de suicídio. Só pode. A Loren falou que os únicos estabeleciementos que ficam abertos são os dos chineses - "São os únicos que trabalham por aqui!".


Outro dia arrisquei. Tinha que comprar o material para a faculdade e, no meio da siesta, fui à tienda de um chinesinho que fica aqui perto. E estava aberta! Que felicidade ver aquele oasis no meio da sonolência e o chinesinho que, apesar do espanhol que vocês podem imaginar (meu pai faria uma imitão perfeita neste momento!) e dos olhos apertados, me atendeu bem acordado e com um sorriso no rosto. Comprei minhas coisas e voltei feliz! Tenho um cumplice de insônia.


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Começaram as aulas e, boa notícia, adorei as que tive! Um dos meus meu professores, o de literatura e jornalismo, fala a minha língua: adora livros e jornalismo de criação (este que tento, humildemente, desenvolver neste blog). No fim do semestre ele pretende montar um livro com nossas histórias e uma delas será um diário de viagem: uma viagem por algum aspecto ainda não explorado de Sevilla. Que tal?!


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Próximo capítulo...


CALLE VERGARA, 7

viernes, febrero 16, 2007

España con aceite


Aos que me querem bem uma boa notícia: sobrevivi! Sobrevivi ao meu primeiro terremoto – e nao se trata de uma metáfora! Até segunda de manhã nao sabia que Andalucía estava próxima a uma falha. Conto: estava eu, sozinha em casa, cozinhando minha pechuga de pollo con arroz y tomates (y aceite, ¡mucho aceite!).

Sem mais, algumas coisas começam a cair, ouço uns barulhos na sala e imagino que uma das muitas casas que estão em reforma aqui em Sevilla definitivamente desmoronou. E aliviada - e individualista - penso “que bom que não é a minha”! Sigo com meu almoço e finjo que nao escuto as sirenes na rua. Estávamos tranquillos, eu e meu pollo a la plancha.

No dia seguinte, primeira página dos jornais, MAIOR TERREMOTO EM 40 ANOS ASSUSTA SEVILLANOS. Pode?! Foram 6,1 graus na escala – nada mal para meu primeiro terremoto!!!
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Palavra de ordem: Azeite. MUITO AZEITE! Aos apreciadores desta iguaria deixo inveja! Aqui me compro um litro e meio do bom por alguns cents de Euro. Juro.

Digo isso para introduzir um tema gastrônomico importantíssimo. Iniciei-me nas tapas. Foi ontem, na compania de meu primo Tomás, depois de um belo passeio em Cádiz (uma cidade linda na costa). Cansados e famintos, entramos na taberna simples, azulejada, limpíssima. A idéia foi do Tô – apesar da vontade, não roubarei o crédito da descoberta.

O senhor fala ríspido: “un euro y cincuenta la tapa; três euros la ración”. 04 filés frescos (e grandes) de merluza + 01 tapa de batatas com cebola e salsinha nadando no azeite extra mega virgem + 01 água + 01 couvert de pao italiano. Nada igual! Para arrematar, nozes com cobertura de chocolate (1 euro o pacote) e café. E de sobremesa, uma exposição de esboços de Pablito, o Picasso, simplesmente linda, autêntica, gratuita e de frente para o mar. ¿Mais? Nada.

A Espanha me parece muito saborosa – com ou sem terremotos!
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¡Gracias a todos por tan cariñosos comentarios!


PS: prometo logo colocar fotos próprias!

lunes, febrero 12, 2007

Perdida nas ruas de Sevilla




Tenho que me redimir: hoje, depois de me ver perdida umas 15 vezes em menos de 3 horas, entendo o drama daquele taxista. De fato, esta cidade é um labirinto sem fim! Meu mapinha, adquirido há apenas dois dias, esta pedindo socorro. Dobrado, amassado, riscado, o pobre... não sabe mais aonde me levar!

Em uma destas incursões, na qual buscava sem sucesso uma academia de dança flamenca, encontro mais um tipo: estava eu em uma esquina, buscando em vão o lugar onde - tinha certeza - havia uma escola dessas. Juro! Estava ali no dia anterior! Eis que um senhor, com seu 70 e tantos, vendo a agonia em que nos encontrávamos (eu e o mapa), se aproxima para tentar ajudar. Digo que estou procurando uma escola de flamenco e, neste mesmo instante, inicia-se uma aula sobre a historia da dança Sevillana – e não flamenca, por favor! – que, segundo o simpaticíssimo, é única tanto em roupas como em músicas e melhor, que todas as outras e em tudo.

Creio que não preciso explicar a importância nem a relevância desta história para a continuidade deste blog. É simplesmente essencial:

Em 1911, fizeram em Sevilla um concurso para escolher o cartaz que divulgaria a grande feria de abril – festa tradicionalíssima da cidade. O ganhador, um artista plástico, depois de todos os avisos importantes, desenhou uma linda sevillana (que posso imaginar, com seus cabelos negros, amarrados no topo da cabeça) vestindo um traje comprido, amarelo, com 7 saiotes e top sem as mangas. Ao lado, avisa: “apresentação de modelos nunca vistos!”.

Como poderiam estar equivocados, a prefeitura que escolheu o cartaz e o artista que o pintou? É a prova de que o traje, que hoje que é relacionado à dança flamenca, na verdade é original de Sevilla. Ali diz “nunca antes vistos”, não diz? Então está dito!

E as letras, então?! As flamencas não têm sentido, nem mesmo as batidas no violão (que não são compostas em partitura!). Uma afronta considerar as sevillanas, que são 4, uma parte do flamenco! E reclama: “as que se dançam hoje são muito paradas. Antes fazíamos assim...”. E o Sr. José mostra com os pés que sabe do que está falando.

Agradeço ao sevillano que vive na Calle Almirante Espinosa e que me contou tão linda história - com detalhes que me dei a liberdade de ocultar – e me fez mais do que me indicar o caminho.

sábado, febrero 10, 2007

Enfim, cheguei

Depois de algumas – tantas - horas no aeroporto, cheguei a Sevilla. Por incrível que possa parecer, superei de forma bastante... corajosa, diria... toda a coisa do avião.

São raros os tipos por aqui. Tem um que merece entrar para o blog: saio do aeroporto, cansada, carregando como posso os dois baús que insisti trazer, e busco um táxi. Digo onde quero ir e ele, um senhor muito alegre e afobado, “tenemos un problema” (com o “tse”, uma das marcas do sotaque daqui). Pronto. Depois de 12 horas em avião, 10 horas de espera em aeroportos mil, e zero horas de sono, um problema não era o que eu queria. Um café talvez, um problema não!

O engraçado é que o senhor sai enlouquecido, tentando achar alguém para lhe indicar o caminho. Depois do insucesso, me manda procurar no caderninho que levava, e fica bravo porque não consigo achar a localização da tal Calle Vergara. Eu, que acabo de chegar e estou mais perdida do que o normal, tenho que achar uma rua de 5m por 2m (como a maioria das ruas por aqui) em um mapa de 7cm por 5cm porque o chofer de táxi esta desesperado.

Enfim, depois de pararmos umas tantas vezes para encontrar, chegamos a casa numero 7 da calle Vergara. Linda, três pisos, como eu queria e imaginava. Loren, a dona do endereço, é simpaticíssima. Ontem mesmo conheci parte de sua família:

- um sobrinho, garotinho de 6 anos que gosta de imitar bichos (que me fez imitar o Nemo);
- uma sobrinha de 3 chamada Helena (a criança mais independente e risonha que já conheci);
- sua mãe, uma senhora muito simpática;
- irmã e cunhado.

Mas o mais legal de tudo é que hoje, voltando para a casa depois de um passeio no centro, me senti acolhida e querida pelas ruas estreitas desta cidade.

lunes, enero 29, 2007

Ya te estraño Floripa


O dicionário diz que SAUDADE é "uma lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a ver ou a possuir; pesar pela ausência de alguém que nos é querido; nostalgia;".

Faltam apenas 9 dias para meu embarque para Madrid e descobri que o dicionário está errado: você não precisa perder ou estar longe de alguém ou alguma coisa que você ama para sentir saudades. O dicionário precisa ser revisto!

Mesmo ser ir, já sinto saudade dos fins de tarde que só Floripa tem; dos inesquecíveis e deliciosos programas em família no domingo à noite - enquanto muitos procuram consolo no Fantástico; dos dias de surf e praia, que deixam o corpo levemente mole e um sentimento gostoso de vida vivida; até dos dias de aula (principalmente daqueles que espertamente substituimos por um café ou por um passeio).

Os sevillanos aprenderão uma palavra nova!

viernes, enero 19, 2007

Biblioteca


Alberto Manguel tem uma de 35 mil títulos.

"As bibliotecas - as minhas ou aquelas que compartilhei com um público mais amplo de leitores - sempre me pareceram lugares agradavelmente insensatos, e, até onde consigo lembrar, sempre me seduziu a lógica labiríntica pela qual a razão (mas não a arte) parecia imperar sobre um conjunto cacofônico de livros. Sinto um prazer aventuresco em me perder entre as estantes carregadas, confiando supersticiosamente que alguma hierarquia de letras ou números há de me conduzir, um dia, ao destino prometido.

(...)Imensamente generosos, meus livros não me pedem nada e me oferecem todo tipo de iluminação. 'Minha biblioteca não é uma coleção inculta, mesmo que pertença a um iletrado', escreveu Petrarca a um amigo. Como os de Petrarca, meus livros sabem infinitamente mais do que eu, e sou grato por tolerarem minha presença. Às vezes tenho a sensação de abusar desse privilégio."

Esta será minha por 6 meses. Não tem 35 mil títulos, mas já é o meu canto favorito na futura habitación.

lunes, enero 15, 2007

La Sevillana

Testando

Tentei por muito tempo resistir às possibilidades da internet - por não ter paciência tempo & habilidades. Precisava do meu email, do you tube, do google e de nada mais. Praticamente um alien no mundo online...

Enfim! Cedi. Ai está a primeira postagem do recém criado blog - que terá, como principal objetivo, abrigar minhas peripécias em Sevilla, Espanha, e em todos os outros países que espero ter a oportunidade de conhecer.

Listo!