martes, septiembre 04, 2007

Clássico Marroquí II



Meknes tem a maior porta da África. Uma enorme porta branca, com detalhes árabes, que marca a entrada para a cidade imperial. Cruzando a rua na direção oposta, a medina. E, na entrada, não uma porta: uma praça, uma enorme praça onde víamos artistas, músicos, crianças e mais crianças aproveitando o final de domingo. Fazia frio e estávamos cansados de viajar. A mochila nas costas já pesava o dobro (em grande parte por causa dos extras, adquiridos durante o tour comercial em Fes) e a fome por comida de verdade não agüentava mais pãopãopão e pão.

Mesmo assim, Cristina ainda tinha pique e não relutou em entrar na roda quando convidada por um artista de rua. Estava cercada e não entendia nada do que o homem lhe pedia. Todos riam de seu sotaque meio italiano meio espanhol, pobre Cristina... Títere dos marroquinos que se divertiam com a figura rara: branquela com olhos azuis, mochila nas costas, meias até os joelhos, sandália de franciscana e requebrado nulo. Visualizam?! Pois bem... Depois da apresentação de Cristina, fomos abordados por Lasan, jovem com seus vinte e poucos, sotaque carregadíssimo, mas espanhol fluente. Ufa! Foi ele e seu amigo X que nos acompanharam pelo passeio no mercado de doces de Meknes.

Aliás...Que mercado! Todos as formas e cores de doces saltavam aos olhos e às bocas – sim, porque os vendedores queriam que provássemos todos, TODOS os sabores. No fim, como já levávamos pouca coisa, compramos mais alguns quilos de amendoados e melados como suprimento para a longa noite de viagem. E Lasan na cola. Foi bom porque, além de sua simpática companhia, ele nos guiou pelas já escuras ruazinhas de Meknes. E como nosso trem só passava por aquelas bandas às 3h da madruga (quando passava), tínhamos mais algumas horas para ver a cidade.

Pois surgiu uma idéia de Lasan, que trabalhava em uma pizzaria quase ao lado da estação de trem: “Podemos ir até meu trabalho e esperar lá”. Idéia aceita. O lugar tinha um nome italianíssimo, o que fez nossos dois exemplares da Toscana se sentirem mais perto de casa. Era bonitinha, com uma varanda bacana, mas já estava fechada e não nos restou nada mais que um cheirinho de pizza que se esvaía a cada minuto. Vários amigos de Lasan ainda estavam na área (a varanda era liberada pelo dono, mesmo depois do horário de funcionamento). Máximo quase nos vendeu por alguns camelos para aqueles simpáticos guris (brincadeira!!!).

Éramos muitos e, quando assim é, nada melhor que dividir em dois, colocar uns cestos de lixo como marcação e soltar uma pelota no meio. E daí não há mais língua, mais fronteira, mais diferenças. Pode ser uma retórica gasta, mas eu comprovei que é verdadeira: o futebol é uma língua universal. Durante a partida – na qual meu time perdeu de muito a pouco – ouvi vários “Ronaldinho”, “Rivaldo”, “Zidanne” e tantos outros. Surreal: 1h da madrugada, três estrangeiros (dois italianos, uma mexicana e uma brasileira espanholizados) e muitos marroquinos, jogando uma partida de futebol no meio de uma rua escura da longínqua Meknes. Como rimos! Como nos divertimos!

E depois do clássico marroquí, todos nos acompanharam até a estação para certificar que embarcaríamos direitinho. Antes do adeus e do salam, uma das garotas do grupo árabe nos ensinou a colocar o lenço na cabeça. Fomos assim, como legítimas muçulmanas (descontando as havaianas e os braços de fora) que voltamos ao nosso primeiro e último destino: Tanger. 6h desconfortáveis horas de viagem que, apesar de longas e cansadas, não foram suficientes para que eu pudesse me despedir do Marrocos que o trem deixava para trás. E desta vez não pude sentar na janela.

Shukram Marrocos
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Lasan tinha (e espero que ainda tenha) o sonho de ir para a Espanha estudar. Por isso começou aulas de espanhol e também por isso se aproximou de nós quando percebeu que era esse o idioma que falávamos. Ele acredita que com a língua fluente seja mais fácil para conseguir o visto.

Ao longo de nossas conversas percebi que, tanto para Lasan como para outros jovens marroquinos, a Espanha é quase uma obsessão. É um vizinho rico e próspero, tão perto tão perto que quase podem ver no horizonte. A esperança deles está lá e a proximidade com a cultura européia, mesmo que seja através de jovens turistas, é como uma corda, uma bóia salva-vidas com a qual eles podem contar para atravessar a fronteira. Indescritível, por exemplo, a expressão que ele abriu quando prometemos mandar postais desde Sevilla.

Creio que nossa passagem por Meknes alimentou uma ilusão que não saberemos nem desfazer nem suprir e que, no futuro, pode custar as esperanças de jovens bons e dedicados como Lasan. Alias, desculpe-nos Lasan... Nem o postal te mandamos ainda.