viernes, abril 27, 2007

Sevillana em 4 lições



Sevillana #1

... E fez-se a luz em Sevilla! E foi na meia-noite de hoje, dia 23, no terreno que abriga as milhares de “casetas” que formam a grande Feria de Abril. Da varanda do oitavo andar pude ver El Alumbrao (o momento em que iluminam a portada e as ruas), e emocionar-me com ele. Em poucos segundos o terreno antes escuro se converteu em palco: danças, trajes, cavaleiros... Um grande espetáculo regado a reburritos – uma mescla estratégica de manzanilla e 7Up para prorrogar a borracheira.

As casetas são, basicamente, pequenas tendas privadas. Cada uma tem sua decoração, seu bar, sua música. E os convidados são amigos (ou amigos dos amigos) dos donos. E é nesse espaço estreito e comprido que a feria acontece. Foi numa dessas, na Sugerencia – sim, cada uma tem um nome diferente – que “aprendi” a dançar a sevillana número 1.

Primeira lição: conhecer a música. Segunda lição: me perdi neste ponto... Coordenar braços e pés só pode ser um dom divino. Suspeito que Deus seja sevillano!



Sevillana #2

Feria dia 2 – se é que é possível dividir o tempo em dias durante a Feria... Como algo natural, eles são simplesmente emendados. Não há noite ou dia, ou hora de comer ou hora de dormir; sempre é hora para o que se quer, seja isso uma dança ou uma tortilla.

O calor infernal pouco importa também. As mulheres, que por algum encanto cigano seguem impecáveis, desfilam trajes e cabelos. Agora as luzes têm que dividir espaço com as cores das saias! Caminhei feito uma louca na inútil tarefa de tentar, com um clique, captar a estética da coisa.

Não tem nada mais gracioso que uma garotinha de três anos, com seu leque e seus brincos amarelos, bailando graciosamente uma sevillana. Não tem nada mais engraçado que ver uma guiri (uma estrangeira, como eu) tentado, sem sucesso, terminar a música no tempo correto.

Onde estão meus genes espanhóis que não se manifestam???



Sevillana #3

O mais sevillano dos dias: tourada + traje flamenco + Feria. Sim, mais um dia de Feria! Mais um dia de sevillanas (e, por fim, de alguns acertos) e desta vez, como manda o figurino. Até a sevillana número 2 comecei a aprender! O espírito de festa faz milagres...

Outro milagre foi eu ter ido à tourada – tema para o qual reservarei as próximas linhas deste blog. A noite terminou com em grande estilo ao som de La Cucaracha, a pobre que já não tem as patas de trás.

Terceira lição: nem a chuva tira a disposição dos sevillanos!



Sevillana #4

Não poderia imaginar final mais inusitado para uma semana de Feria: um almoço mexicano ao som de música brasileira! Graças à disposição e ao talento culinário da Yenny, minha amiga de Cancun, nos deliciamos com quesadillas e burritos. !Gracias chica!

Quarta lição: A Loren me disse que para ser boa, a Feria precisa ser aproveitada em boa companhia. A teoria foi confirmada! Gracias a los amigos, y a los amigos de los amigos.
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lunes, abril 16, 2007

Lisboa: o melhor para si



Lisboa, ah Lisboa...

“Tome minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.”

A vontade de aproveitar o tempo que me foi presenteado com as comemorações da Semana Santa nos levou até você. Manuela, Yenny e eu compartilhávamos o desejo de conhecer-te. Não foi ao sabor da sorte, senão da vontade que paramos, depois de 8h de ônibus, em seu metrô – a Lisboa subterrânea, a minhoca responsável por permitir a terra fértil de cima.

Não tivemos uma recepção muito calorosa por parte da chuva e dos tímidos 8ºC que nos esperavam na superfície. Sua redenção, no entanto, foi rápida: depois de sofridos 15 minutos estávamos sentadas em uma de suas padarias, tomando um café quente e comendo um pãozinho que só você, querida Lisboa, poderia nos proporcionar! Era a Capri, ao lado de nossa pensão. Foi ali, ao lado do letreiro de néon “o melhor para si”, que tomamos inesquecíveis cafés-da-manhã nos dias seguintes.

Lisboa querida, a santidade de seus Manoéis e Josés foi confirmada em cada broinha, em cada pastelzinho de Belém, em cada bengala de gergelim, em cada garfada de bacalhau à Brás. Até pão-de-queijo, PÃO-DE -QUEIJO, uma de suas padarias nos preparou.

Mas você nos guardava mais. Nem a “rusticidade” (isso é um eufemismo para “decadência”) de nossa pensão, nem o desespero de caminhar horas baixo chuva e frio puderam diminuir o valor de tudo o que aprendemos e conhecemos entre suas ladeiras e bondes.

Você nos abriu o céu nos dois dias seguintes, nos guiou por Belém e pelos caminhos da Alfama. Convidou-nos a conhecer seu castelo e seu aquário, seu teleférico e seu elevador, seu bairro alto e suas ruas menos ilustres (mas não menos encantadoras). Colocou no nosso destino a melhor cafeteria do mundo, antecipando o fim de minha jornada em busca dela.

Ergueu um monumento por terras que buscou no além-mar. Acolheu à gente (e quanta gente!) que veio de lá. Brasileiros que já foram seus e que, sem remorsos, trabalham por um crescimento, seu e deles. Cuida deles Lisboa!
Não pretendo ser um Pero Vaz ao revés e espero que me entenda. Sai do metrô apenas com curiosidade, duas amigas e alguns euros. Voltei com as amigas, com alguns euros a menos e com a impressão de que você, Lisboa, guarda bem os seus encantos e os revela, pouco a pouco, para nunca deixar de nos surpreender.

“E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.”
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Amigos, peço desculpas pela falta de objetividade nesta postagem. Já dizia Chico: “No fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo”. (Essa é para minha mãe que, apreciadora de uma boa música, sabe o Fado Tropical até de trás para frente!)

A única coisa que não pude realizar nesta linda viagem foi uma visita aos queridos amigos Rita e Rui, que estão em Porto. Não me preocupo de pronto porque sei que o momento chegará. Ojalá!

*Na foto, eu em frente ao Memorial do Descobrimento.

martes, abril 10, 2007

Quando se discute religião



Fim de Semana Santa. Entre o jamón e a tortilla de patata, minha torta salgada parecia uma intrusa na mesa dominada pelas iguarias espanholas. Valente e já pela metade, a brasileirinha de cebola, tomate e carne observava atônita a conversa acalorada. O tema, “Semana Santa: devoção, religiosidade ou espetáculo turístico?”, enchia o buraco da roda formada por 13 espanhóis (uns laicos, outros nazarenos, e outros mais ou menos um pouco de cada) e duas outras brasileirinhas, igualmente intrusas.

Uma delas era eu. Na hora que se seguiu, pude verificar e comprovar quase cientificamente que a imagem do espanhol bravo, teimoso e cabeça-dura é real. Deus! Até a corajosa Esperança Macarena, santa que sai de procissão mesmo em dias chuvosos e recebe os gritos de “guapa” por onde passa, foi alfinetada.

Uns diziam que a Semana Santa de Sevilla, “a maior do mundo”, tem pouco caráter religioso faz tempo, e que quase nenhum espectador das procissões esta lá por fé ou devoção. “Possui sim um grande valor, mas é um valor mais cultural que católico”. Eu muda. “Quem diz isso é laico, mas ninguém que tenha algum laço espanhol pode se afirmar laico. Todos nós temos uma pontinha católica”, rebatia um lado. “Eu sou espanhol e não tenho religião !hombre!”, dizia alguém que tentava ser ouvido.

(Neste momento, não pude deixar de lembrar de meu pai: “!A Saragoza o al pozo!”)

“Mas você não pode dizer que a música, que a estética da coisa de maneira geral não te comova. É claro que comove! Você não precisa ser católico para sentir”, dizia uma devota. Em uma brecha, fui solicitada: “Vamos deixar quem veio de fora dar sua opinião!”. Tentei ser neutra e puxar o tapete para o meu lado, falando um pouco das comemorações no Brasil. A voz da razão me dizia que não seria responsável jogar lenha na fogueira. Amém!

Em poucos minutos a discussão já enfocava a maneira como representam Cristo levando a cruz, se é física e anatomicamente possível ou não. Uma loucura! Já havia percebido a importância da religião católica na cultura espanhola, mas não imaginava o esforço argumentativo poderia suscitar!

Ao final, todos seguiam amigos, é claro. E, as quatro da madrugada, depois de fado, forró e vinho (rolou tudo isso, juro!), foram todos para a rua ver a última das procissões, devotos e não. Eu fui dormir, mas me disseram que o passo não contou com muitos seguidores – certamente porque era fim de festa, sábado de madrugada, e os sevillanos tentavam se recuperar da semana de vigília.

No dia seguinte restava a cera nas ruas, as fotos, o cheiro de incenso na casa e alguns pedaços de torta de carne. A famosa Semana Santa de Sevilla passou linda, como passou a Macarena, com suas velas e suas flores, diante do balcão onde eu estava. !Guapa!


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*Fotos: 1- Esperança Macarena, esplêndida. 2- Reunião para acompanhar as últimas procissões. Fado, forró, boa comida e risadas. Agradabilíssima!

Próximo post... Lisboa: o melhor para si

domingo, abril 01, 2007

Um post apressado!





Caros amigos... O dever de aproveitar minha viagem - lembrado e relembrado muitas vezes por todos antes de minha partida - me consumiu esta última semana. Sorte a minha! Tenho muitas, MUITAS coisas para dividir com vocês, mas em duas horas parte meu autocarro para Lisboa - onde, além de confraternizar com o colonizador, pretendo encontrar respostas para a mãe-gentil.

Até a minha volta, deixarei vocês com a Alhambra, momumento que concorre ao posto de maravilha do mundo. E é. Senão uma das 7 (aliás, não sei porque temos que reduzir a 7 as infinitas maravilhas do mundo), a oitava.




Com carinho e saudade.