miércoles, marzo 21, 2007

Antoine, Rinette e eu





Acabo de ler Cartas de Juventude, de Antoine de Saint-Exupéry. Gulosa que sou, devorei os escritos em uma tarde – inspirada talvez pelo barulho da fonte, aqui no solário da faculdade. Ao final, já fazia minhas as palavras endereçadas a Renèe de Saussine, a Rinette de Antoine.

Ele sim sabe escrever. E, mais que isso, sabe ver nas coisas os detalhes mais lindos. Talvez por ele, ou talvez pela necessidade de consumir o recheio de tempo que encontro entre o almoço e a oficina de fotografia, ou talvez pelos dois, me vejo com a caneta na mão, pronta para escrever-lhes. Esta postagem é uma carta de juventude, e espero que cada palavra possa levar consigo o sentido da minha, que é generosa.

São 4h da tarde e o sol ainda queima leve. Está adiantado. Insiste em tomar o lugar do persistente friozinho europeu que, posso ver, logo se vai de vez. O azul que acompanha o sol é puro, puro azul. E não é egoísta porque, durante as noites, divide a atenção com as estrelas.

O ambiente me faz esquecer da pequena dor de estômago, provocada ou pelo café solo que acabo de tomar, ou pela apreensão de já estar longe há tanto tempo, ou por simplesmente pensar que pode ser o café e a apreensão.

Problemas estomacais são menores quando se tem o cheiro das flores de azahar que, por um desapego comovente, dividem com os sevilhanos esse doce que produzem: pretensão tentar descrevê-lo. Como conclui Antoine, definitivo, em uma discussão literária sobre os “cumes sublimes”, os “horizontes leitosos” e as “rochas douradas”: “São o Cume, o Entardecer, a Aurora (...). Quanto mais os descreve mais impessoal fica”. Então, são só as Flores de Alzahar.

Não quero embelezar nada, não vejo necessidade. Ficarei contente em saber se pude transmitir de forma sincera e profundamente carinhosa, uma tarde ao sol de Sevilla.

“Rinette, adeus. Talvez encontre suas cartas na volta. (...) Com esse tempo tão doce todo mundo tem um segredo. Mas é sempre o mesmo. Pois olhamo-nos e sorrimos. E para sorrir não é necessário saber três palavras de espanhol, então sorrio... Tenho o papel de carta na mão caso sinta vontade de escrever-lhe ainda esta noite. E se não escrever...

Antoine.”


*Nas fotos, eu, o jardim do Real Alcázar e os Almendros roubando a cena.

lunes, marzo 12, 2007

Ao pedir dois cortados

Segue o relato de uma coisa que não me agrada. Receio parecer desagradável com este post, mas nem tudo são flores... Faz parte! E como relato de viagem, acho (e espero) que seja válido. Aí vai!
.......................................................................................................

Manu e eu. Entramos em um café que há tempo nos chamava a atenção. Na vitrine, lindos doces de amêndoas e de chocolate dividiam espaço com grandes pedaços de presunto. Local movimentado, pessoas sentadas e pessoas em pé, sorvetes apetitosos por apenas um Euro. Pronto! Havíamos descoberto mais um daqueles cafés, que enchem Sevilla de aroma e calorias impróprias.

Fomos direto ao balcão, já que sentar à mesa tornou-se, digamos... um luxo. “Hola, buenas noches. Dos cortados por favor!”. As palavras foram acompanhadas pelo velho sorriso que a vida no Brasil nos ensinou a dar. Aquele sorriso não forçoso nem exagerado. Simpático e natural, próprio daqueles que prezam por um mínimo de cordialidade.

Logo, dois pires foram arremessados, literalmente, em nossa direção. Preparamo-nos para o bombardeio que prevíamos acontecer: dois saches de açúcar e duas colheres voaram livres pelo salão e pousaram male mal no pedaço de balcão que nos correspondia. Sem jeito, pedi que ele trocasse o meu pratinho porque estava sujo. De mal grado, me deu outro. Ou melhor, me atirou outro.

Antes de vir recebi avisos e conselhos sobre este comportamento freqüente de desdém. E até agora, acho que consegui levar numa boa. Mas não aquele dia! Depois de ver o leite do cortado se esparramar pelo balcão – já que não fora despejado com delicadeza alguma - decidi falar alguma coisa.

Lembrei da Loren me incentivando a dizer aos espanhóis que deixem de ser presunçosos e mal-educados. Lembrei do meu pai, contado o drama que pode se tornar o pedido de um croissant com queijo e presunto em Barcelona. Lembrei de minha mãe me dizendo na pré-escola que eu não precisava levar desaforos. Lembrei de um artigo que li sobre como os europeus, de modo geral, estão se tornando pessoas anti-sociais. E falei.

Na hora de pagar, com toda a educação, disse que no havíamos sido bem atendidas naquele local. Fui cortada por um “Si. Y?!”. O homem nos deu as costas e saiu, como se não se importasse – e de fato não se importava – com a informação.

Estou fazendo um intercâmbio. Estou aprendendo muitas, muitas coisas legais. Mas se supõe que deva ensinar muitas e muitas também! Não foi desta vez que consegui. Mas não desistiremos, Manu, eu e nossos sorrisos.
.....................................................................................................

Mono no me no
Araware ideshi
Daiji kana


Que los brotes de las cosas
Salgan y aparezcan…
¡Es el fundamento de todo!


(Haiku do livro de Vicente Haya, ex-marido da Loren, filósofo, escritor, e dono da biblioteca)

*Na foto, eu em boa companhia. Um lindo dia de piquenique no parque Maria Luisa. Crédito da foto à função automática da minha nova câmera!


miércoles, marzo 07, 2007

Grandes obras


Fui viajar e não fui sozinha. Meus companheiros de excursão foram Pablo (o Picasso), Juan (o Miró), Salvador (o Dali), o Chico (Goya), um holandês chamado Vicente e um outro “carinha”, o Tintô (...retto). A excursão estava cheia: Tolousse-Lautrec e Matisse se empuraram para entrar no busão já lotado. Modigliani foi mais esperto e se meteu no porta-malas. Manet dividiu acento com Monet e Degas acabou ficando de pé. Mas foram todos comigo nesta viagem – que de ruim só teve o pop-flamenco do motorista.

Fomos todos a Madrid. Mas também fomos a Guernica. Aprendemos com um simpático professor de história da arte, acompanhado por 40 crianças de olhos arregalados e dedos cheios de perguntas, que a luz no topo do quadro-poesia é uma luz de esperança. Seu discurso arrepiou até Velásquez (bem discreto até então).

Aprendemos, nós, as 40 crianças e todos os outros que espichavam cabeças na sala lotada, que Guernica não é um quadro de guerra, mas sim do que queira nossa imaginação e nossa vontade de interpretar. Percebemos que há uma parte do quadro que grita e outra que cala. Há também a mãe com o filho no colo, uma Pietá quadridimensional de puro sentimento.

Depois de deixar meus companheiros no Museu do Prado, fui para a parte 2 da minha vigem. Uma viagem ao passado. E que lindo passado! Um passado imortalizado nas deliciosas histórias do Tio Luis, irmão do meu avô (como àquela que se refere ao encontro de meu pai com a minha mãe e que, depois de uma ajudinha de leve do próprio tio Luís, resultou em namoro e em casamento). Um passado com cheiro inesquecível de Cochinillo, feito no Botin - o restaurante mais antigo do mundo e o mais freqüentado pela minha família. Passado de fotos da Tia Maria Rita, tão carinhosa e alegre. Passado de futuros, em cada um dos meus priminhos encantadores! Uma viagem de conteúdo histórico, familiar e sentimental, acima de tudo!

Nesta viagem que foi muitas, também descobri tesouros: tios, tias, primos e primas, de inúmeros graus de parentesco. Seu valor não foi ainda calculado, mas deve superar o da obra de Picasso – ele mesmo me garantiu que sim.

Essa é minha desculpa por não ter atualizado o blog nestes últimos dias. Tenho certeza de que, felizes, aceitarão.