sábado, febrero 24, 2007

Calle Vergara, 07 - Macarena/Sevilla - España 41003




3h da madruga, vontade de água. A incursão delicada pelos cômodos e corredores escuros, no meio da noite, não é difícil quando estamos na nossa casa. Não há degraus-surpresa, nem precisamos ligar a luz para saber onde está o copo, o pacote de bolachas ou o fósforo. Está tudo na cabeça, os movimentos são praticamente instintivos, certeiros.
Quando cheguei na pequena-grande casa situada no número 7 da rua Vergara, não imaginava que uma das primeiras instruções da anfitriã seria sobre como utilizar os interruptores - que não são poucos! Depois entendi: a casa da Lorenza tem 3 andares e um 4o que pertence aos gatos (o terraço). Todos eles são cortados por um confortante corredor de luz que vem da clarabóia - que nos permite ver cada detalhe da torre gótica da igreja de São Marcos, a vizinha da frente.
Meu quarto deve ter 3,50m por 2,50m (relevem minhas noções de medida!). Poderia ter escolhido o maior, com cama de casal. Mas preferi a janela! Linda, mais ou menos 1,50m de luz e de Sevilla. A cortina florida e pesada completa o estilo delicado da habitação. Uma estante para meus livros, uma praia de aquarela na parede salmão. Um chão de mármore quase branco e gelado que obriga aquecedor. Ao lado da cama, uma cômoda com fotos indispensáveis e (mais) livros idem.
Quando os sinos me acordam - literalmente - tenho que descer um lance para chegar à cozinha, e mais um para chegar à biblioteca (de onde vos escrevo). E, voltando à vaca fria, daí a importância dos interruptores inteligentes! Sempre que se quer subir ou descer e se acende a luz da escada, há outro interruptor bem no fim do trajeto para você poder apagá-la sem ter que descer ou subir tudo de novo. Acreditem: essa informaçào é importantíssima!

Mas estávamos na biblioteca... - personagem antiga deste mesmo blog. Ela é maior do que a foto pode mostrar e, em seu formato de L, acolhe um lindo e fresco jardim de inverno (ou verão). Em julho este é o melhor lugar da casa para driblar o calor de 50 graus (para mim, é o melhor lugar o ano inteiro!).
Três ambientes em um só: um para leitura, um para os computadores e um para a música. Aconchegadamente linda! O teto é de madeira clara e temos a opçào de sentar em pufs indianos, bancos de madeira ou poltronas confortáveis e quentinhas.

É em uma dessas que estou agora. Escrevendo e ouvindo o CD de um cantor de camarões que ouvi em uma rua do centro. Estou tranquila porque sei que quando subir as escadas escuras para meu quarto, daqui a alguns minutos, não precisarei da ajuda dos interruptores. No número 7 da rua Vergara já sei andar no escuro.
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Quando escrevemos o que vivenciamos, temos uma experiência dupla: lembrar do que foi especial e reinterpretar a vida de maneira criativa e saborosa (degustando cada vírgula e cada exclamação). Essa idéia maravilhosa, que dá ao escritor que nela acredita a oportunidade de tornar únicos os detalhes mais banais, foi a coisa mais legal que já ouvi classe de jornalismo: a maioria das vezes que escrevemos uma matéria, perdemos a oportunidade de torná-la singular no meio da avalanche midiática.
*Crédito das fotos à Manu


martes, febrero 20, 2007

Durante a Siesta...


A siesta é uma coisa engraçada. Antes de chegar aqui nessa cidade de ruas estreitas tinha dúvidas sobre a existência desta soneca coletiva: eles teriam mesmo a coragem de parar uma cidade para dormir?!? Têm. E, se você pensa que só alguns estabeleciementos fecham, que só alguns voltam para suas casas para dormir das 14h às 17h, está enganado. Todos se vão, a cidade vira um fantasma labirintoso e de portas fechadas. A polícia fecha, a prefeitura fecha, a padaria ... A PADARIA FECHA!


Tenho fortes indícios de que é nesse horário - fatal, eu diria - que acontece a mairia dos casos de suicídio. Só pode. A Loren falou que os únicos estabeleciementos que ficam abertos são os dos chineses - "São os únicos que trabalham por aqui!".


Outro dia arrisquei. Tinha que comprar o material para a faculdade e, no meio da siesta, fui à tienda de um chinesinho que fica aqui perto. E estava aberta! Que felicidade ver aquele oasis no meio da sonolência e o chinesinho que, apesar do espanhol que vocês podem imaginar (meu pai faria uma imitão perfeita neste momento!) e dos olhos apertados, me atendeu bem acordado e com um sorriso no rosto. Comprei minhas coisas e voltei feliz! Tenho um cumplice de insônia.


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Começaram as aulas e, boa notícia, adorei as que tive! Um dos meus meu professores, o de literatura e jornalismo, fala a minha língua: adora livros e jornalismo de criação (este que tento, humildemente, desenvolver neste blog). No fim do semestre ele pretende montar um livro com nossas histórias e uma delas será um diário de viagem: uma viagem por algum aspecto ainda não explorado de Sevilla. Que tal?!


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Próximo capítulo...


CALLE VERGARA, 7

viernes, febrero 16, 2007

España con aceite


Aos que me querem bem uma boa notícia: sobrevivi! Sobrevivi ao meu primeiro terremoto – e nao se trata de uma metáfora! Até segunda de manhã nao sabia que Andalucía estava próxima a uma falha. Conto: estava eu, sozinha em casa, cozinhando minha pechuga de pollo con arroz y tomates (y aceite, ¡mucho aceite!).

Sem mais, algumas coisas começam a cair, ouço uns barulhos na sala e imagino que uma das muitas casas que estão em reforma aqui em Sevilla definitivamente desmoronou. E aliviada - e individualista - penso “que bom que não é a minha”! Sigo com meu almoço e finjo que nao escuto as sirenes na rua. Estávamos tranquillos, eu e meu pollo a la plancha.

No dia seguinte, primeira página dos jornais, MAIOR TERREMOTO EM 40 ANOS ASSUSTA SEVILLANOS. Pode?! Foram 6,1 graus na escala – nada mal para meu primeiro terremoto!!!
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Palavra de ordem: Azeite. MUITO AZEITE! Aos apreciadores desta iguaria deixo inveja! Aqui me compro um litro e meio do bom por alguns cents de Euro. Juro.

Digo isso para introduzir um tema gastrônomico importantíssimo. Iniciei-me nas tapas. Foi ontem, na compania de meu primo Tomás, depois de um belo passeio em Cádiz (uma cidade linda na costa). Cansados e famintos, entramos na taberna simples, azulejada, limpíssima. A idéia foi do Tô – apesar da vontade, não roubarei o crédito da descoberta.

O senhor fala ríspido: “un euro y cincuenta la tapa; três euros la ración”. 04 filés frescos (e grandes) de merluza + 01 tapa de batatas com cebola e salsinha nadando no azeite extra mega virgem + 01 água + 01 couvert de pao italiano. Nada igual! Para arrematar, nozes com cobertura de chocolate (1 euro o pacote) e café. E de sobremesa, uma exposição de esboços de Pablito, o Picasso, simplesmente linda, autêntica, gratuita e de frente para o mar. ¿Mais? Nada.

A Espanha me parece muito saborosa – com ou sem terremotos!
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¡Gracias a todos por tan cariñosos comentarios!


PS: prometo logo colocar fotos próprias!

lunes, febrero 12, 2007

Perdida nas ruas de Sevilla




Tenho que me redimir: hoje, depois de me ver perdida umas 15 vezes em menos de 3 horas, entendo o drama daquele taxista. De fato, esta cidade é um labirinto sem fim! Meu mapinha, adquirido há apenas dois dias, esta pedindo socorro. Dobrado, amassado, riscado, o pobre... não sabe mais aonde me levar!

Em uma destas incursões, na qual buscava sem sucesso uma academia de dança flamenca, encontro mais um tipo: estava eu em uma esquina, buscando em vão o lugar onde - tinha certeza - havia uma escola dessas. Juro! Estava ali no dia anterior! Eis que um senhor, com seu 70 e tantos, vendo a agonia em que nos encontrávamos (eu e o mapa), se aproxima para tentar ajudar. Digo que estou procurando uma escola de flamenco e, neste mesmo instante, inicia-se uma aula sobre a historia da dança Sevillana – e não flamenca, por favor! – que, segundo o simpaticíssimo, é única tanto em roupas como em músicas e melhor, que todas as outras e em tudo.

Creio que não preciso explicar a importância nem a relevância desta história para a continuidade deste blog. É simplesmente essencial:

Em 1911, fizeram em Sevilla um concurso para escolher o cartaz que divulgaria a grande feria de abril – festa tradicionalíssima da cidade. O ganhador, um artista plástico, depois de todos os avisos importantes, desenhou uma linda sevillana (que posso imaginar, com seus cabelos negros, amarrados no topo da cabeça) vestindo um traje comprido, amarelo, com 7 saiotes e top sem as mangas. Ao lado, avisa: “apresentação de modelos nunca vistos!”.

Como poderiam estar equivocados, a prefeitura que escolheu o cartaz e o artista que o pintou? É a prova de que o traje, que hoje que é relacionado à dança flamenca, na verdade é original de Sevilla. Ali diz “nunca antes vistos”, não diz? Então está dito!

E as letras, então?! As flamencas não têm sentido, nem mesmo as batidas no violão (que não são compostas em partitura!). Uma afronta considerar as sevillanas, que são 4, uma parte do flamenco! E reclama: “as que se dançam hoje são muito paradas. Antes fazíamos assim...”. E o Sr. José mostra com os pés que sabe do que está falando.

Agradeço ao sevillano que vive na Calle Almirante Espinosa e que me contou tão linda história - com detalhes que me dei a liberdade de ocultar – e me fez mais do que me indicar o caminho.

sábado, febrero 10, 2007

Enfim, cheguei

Depois de algumas – tantas - horas no aeroporto, cheguei a Sevilla. Por incrível que possa parecer, superei de forma bastante... corajosa, diria... toda a coisa do avião.

São raros os tipos por aqui. Tem um que merece entrar para o blog: saio do aeroporto, cansada, carregando como posso os dois baús que insisti trazer, e busco um táxi. Digo onde quero ir e ele, um senhor muito alegre e afobado, “tenemos un problema” (com o “tse”, uma das marcas do sotaque daqui). Pronto. Depois de 12 horas em avião, 10 horas de espera em aeroportos mil, e zero horas de sono, um problema não era o que eu queria. Um café talvez, um problema não!

O engraçado é que o senhor sai enlouquecido, tentando achar alguém para lhe indicar o caminho. Depois do insucesso, me manda procurar no caderninho que levava, e fica bravo porque não consigo achar a localização da tal Calle Vergara. Eu, que acabo de chegar e estou mais perdida do que o normal, tenho que achar uma rua de 5m por 2m (como a maioria das ruas por aqui) em um mapa de 7cm por 5cm porque o chofer de táxi esta desesperado.

Enfim, depois de pararmos umas tantas vezes para encontrar, chegamos a casa numero 7 da calle Vergara. Linda, três pisos, como eu queria e imaginava. Loren, a dona do endereço, é simpaticíssima. Ontem mesmo conheci parte de sua família:

- um sobrinho, garotinho de 6 anos que gosta de imitar bichos (que me fez imitar o Nemo);
- uma sobrinha de 3 chamada Helena (a criança mais independente e risonha que já conheci);
- sua mãe, uma senhora muito simpática;
- irmã e cunhado.

Mas o mais legal de tudo é que hoje, voltando para a casa depois de um passeio no centro, me senti acolhida e querida pelas ruas estreitas desta cidade.