jueves, mayo 10, 2007

Cultura ou tortura?


Atrasada, para variar, entro pelo portão 18. Sem a opção de chegar ao assento que era meu por direito, provado pelo bilhete de 21 euros que possuía, sentei-me ali mesmo, no que sobrava de espaço entre a passagem e uma fila de espectadores. A cancela se abriu e, ao ver o touro sair em disparada com sua força, velocidade e valentia quase que divinas, tive a sensação de que o anunciado espetáculo sevillano seria mais do que uma prova para o estômago: seria uma prova para a minha consciência (já levemente arrependida por haver me permitido estar ali). A seguir, minha tentativa de redenção...
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Arena lotada. O toureiro, aquele ajoelhado em frente à cancela, pronto para dar as boas vindas ao desafiado sob os gritos de “olé”, suja de terra as calças justas e acinturadas. Além de visíveis intenções de chuva, havia algo de Pão e Circo no ar. Engoli seco. Sai o touro, levanta o toureiro o pano rosa e amarelo, faz pose, sai. Entram os 6 ajudantes, cada um com igual capa bicolor.

Os seis se revezam, toureiam, livram os companheiros de invertidas não esperadas. Com o que sobra de minha atenção, prendo o ar nos pulmões e o som da corneta rouca que agora cala a multidão me faz pensar que, por algum milagre (o algo mais factível como a tempestade que se aproxima), os organizadores tenham decidido cancelar o show.

Entre esse instante e a entrada de um cavaleiro na arena, tenho a ingenuidade de pensar que o animal ainda sairia vivo dali. Não poderia estar mais equivocada! Desde seu cavalo (outro pobre animal que vendado, aceita sem lutar os golpes dos chifres), ele espeta o touro bem no dorso. E usa os pés para tirar a lança do couro espesso. Não consegue. O público se agita, o touro mais. Por fim, a lança sai. E sai sangue, e mais. E sai.

Mas o touro segue forte, os ajudantes percebem e se antecipam a picá-lo com bandeirolas. 1, 2, 3 agulhadas. Isso é o que eles chamam de “igualar forças”. Com quê motivo, não sei... (posso sugerir 'autoafirmação-atropocentrista crônica', se os satisfaz).

Um deles perderá, ou o toureiro ou o touro. E todos fazem de tudo para que seja o touro, é obvio. Dou-me a liberdade de constatar que o motivo do espetáculo é a morte do boi. E esse é o aspecto macabro da coisa: todos se divertem!!!

Vibram ao ver o animal se ajoelhar diante do toureiro – que só entra depois que o touro já está visivelmente debilitado; pedem música para embalar os grandes momentos do herói de calças curtas e pose soberba; reprimem quando o bicho não é suficientemente “bom” (é dizer, quando se recusa a lutar e a revidar as provocações. Mas os homem esquecem que talvez ele só esteja querendo acabar logo com a situação vexatória em que se encontra. O instinto de não querer dor é dos animais, sapiens sapiens incluídos).

Minhas mãos suam e meus olhos já se preparam para esconder o iminente golpe fatal. Por sorte do touro, ele não tardou. Pouco acima da cara, certeiro. E ele cambaleou, de um lado, de outro e, por fim, o animal que eu havia visto entrar esplêndido em seu tamanho, forte, vigoroso e violento caiu quieto à margem da arena, pequeno diante do ego de seu carrasco. Sorte do cavalo, que entra e sai vendado. Palmas. Acabou-se a primeira tourada de seis. Engulo seco e vejo que a chuva de fato se aproxima rápido, mas não a tempo.