* Calle Carmen num sábado à tarde. Laura Daudén.
Coisas que vejo, escuto, aprendo e percebo nas andanças e nas aulas. Assim mesmo. Um pouco de cada, uma “ensaladilla mixta”, como se diz por essas bandas. A justificativa é simples: é como estão acontecendo para mim nos últimos dias, de maneira difusa, misturada, desorganizada – mas só de longe. Espero que tudo faça bastante sentido quando colocar em perspectiva, como bem fez o Professor Sanahuja na terça-feira, numa aula que acabou com aplausos. De maneira alguma pretendo tentar fazer o que ele conseguiu: de dados aparentemente dispersos, construir – e o melhor – ensinar toda a lógica das relações que fazem parte da nossa realidade. São só pinceladas, talvez um desafio pessoal que divido com vocês.
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Num chiringito (leia-se “boteco”): entra a chinesa com cabelos loiros. Oferece CDs e DVDs, “os últimos lançamentos”, jura em espanhol enrolado. Não vende um sequer. Sai e, logo depois, outro comerciante adentra e tira da sacola de plástico um relógio e um óculos. Passa de mesa em mesa oferecendo a mercadoria. Sai com menos energia do que entrou. Aí vai o estado do bem-estar social, desaparecendo como miragem no calor madrileño.
Numa cerimônia oficial: Depois de dizer que os estudantes internacionais ocuparam quase metade das vagas (1º - México, 2º - Brasil, 3º - Colômbia) e que as mulheres são maioria expressiva, um economista respeitadíssimo explica a todos os futuros alunos da universidade, de maneira clara cristalina, cada passo que levou à crise financeira que todos estamos vivendo (por aqui o tema é obsessão, por motivos sensíveis e visíveis). Terminou dizendo que a solução está na medida entre a influência do Estado na economia e a liberalização dos mercados (alguém pensou nisso umas dezenas de anos atrás, não?!). Terminou sem mencionar como e quem decide sobre esse equilíbrio.
No metrô: Sebastián se aproxima do violonista que já tem o microfone em posição, ainda que não possa cantar na plataforma. O trem só chega em três minutos e ele consegue, nesse tempo, contar que é equatoriano, que está desempregado, que mora em Madri há doze anos, que não sabe nada música flamenca, que não pode responder ao nosso pedido porque podem lhe expulsar do metrô, e que tem que entrar no vagão mais cheio de todos, para andar ao lado da sorte. O trem chega, pára, ele entra, some, parte, a gente fica. Pensando.
No caminho para a faculdade: Ela acabou de se formar em jornalismo, como eu, e veio da Venezuela com o que podia trazer. Eu não sabia até então que os venezuelanos têm um limite de dinheiro para viajar: cada pessoa pode converter $1700. Mesmo que tenha mais dinheiro. Mesmo que tenha que passar um ano fora. Ela veio para a Espanha sozinha, para fazer o curso, com o sonho de voltar com um computador (as compras pela internet estão limitadas aos $400). Metade do que trouxe vai para o investimento. O resto é para o malabarismo. Só assim.
Na parada: Saio do metrô Banco de Espanha em busca da Calle Zorilla – onde acontecia uma exposição de Dorethea Lange (genial, por sinal) –, e coloco a cabeça para fora no meio da Parada do Orgulho Gay de Madri. Um milhão e meio de pessoas pediam que o Estado espanhol fosse laico na prática e que respeitasse o direito de união de pessoas do mesmo sexo. Duas senhoras, com cabelos brancos e olhar curioso, cochichavam de lado enquanto viam passar a bateria regida por um brasileiro e liderada por uma passista (bandeira estrategicamente amarrada na cintura).
Na aula: Todos sentados, entra o Professor Sanahuja e pede que, antes de mais nada, respondamos à seguinte questão: “quem manda aqui?”. Silêncio. As cinco horas que se seguiram foram de total concentração, de discussões sobre crise, China, guerra e narcotráfico, quebradas apenas por um bom-humor e por outras perguntas ainda mais capciosas. Algumas idéias: “quando se escreve a realidade, se está construindo a realidade. Quando descrevemos... estamos descrevendo ou concretizando em forma de discurso uma aspiração?”, “a definição de uma ameaça é uma tomada de poder, é um ato político”, “o Estado-Nação já não é parte da solução, é parte do problema”, “vivemos em uma sociedade apolar: ninguém tem o poder, ele está demasiadamente difuso, fragmentado em 192 países soberanos”. Resumindo: quem manda aqui? Ninguém.
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Num chiringito (leia-se “boteco”): entra a chinesa com cabelos loiros. Oferece CDs e DVDs, “os últimos lançamentos”, jura em espanhol enrolado. Não vende um sequer. Sai e, logo depois, outro comerciante adentra e tira da sacola de plástico um relógio e um óculos. Passa de mesa em mesa oferecendo a mercadoria. Sai com menos energia do que entrou. Aí vai o estado do bem-estar social, desaparecendo como miragem no calor madrileño.
Numa cerimônia oficial: Depois de dizer que os estudantes internacionais ocuparam quase metade das vagas (1º - México, 2º - Brasil, 3º - Colômbia) e que as mulheres são maioria expressiva, um economista respeitadíssimo explica a todos os futuros alunos da universidade, de maneira clara cristalina, cada passo que levou à crise financeira que todos estamos vivendo (por aqui o tema é obsessão, por motivos sensíveis e visíveis). Terminou dizendo que a solução está na medida entre a influência do Estado na economia e a liberalização dos mercados (alguém pensou nisso umas dezenas de anos atrás, não?!). Terminou sem mencionar como e quem decide sobre esse equilíbrio.
No metrô: Sebastián se aproxima do violonista que já tem o microfone em posição, ainda que não possa cantar na plataforma. O trem só chega em três minutos e ele consegue, nesse tempo, contar que é equatoriano, que está desempregado, que mora em Madri há doze anos, que não sabe nada música flamenca, que não pode responder ao nosso pedido porque podem lhe expulsar do metrô, e que tem que entrar no vagão mais cheio de todos, para andar ao lado da sorte. O trem chega, pára, ele entra, some, parte, a gente fica. Pensando.
No caminho para a faculdade: Ela acabou de se formar em jornalismo, como eu, e veio da Venezuela com o que podia trazer. Eu não sabia até então que os venezuelanos têm um limite de dinheiro para viajar: cada pessoa pode converter $1700. Mesmo que tenha mais dinheiro. Mesmo que tenha que passar um ano fora. Ela veio para a Espanha sozinha, para fazer o curso, com o sonho de voltar com um computador (as compras pela internet estão limitadas aos $400). Metade do que trouxe vai para o investimento. O resto é para o malabarismo. Só assim.
Na parada: Saio do metrô Banco de Espanha em busca da Calle Zorilla – onde acontecia uma exposição de Dorethea Lange (genial, por sinal) –, e coloco a cabeça para fora no meio da Parada do Orgulho Gay de Madri. Um milhão e meio de pessoas pediam que o Estado espanhol fosse laico na prática e que respeitasse o direito de união de pessoas do mesmo sexo. Duas senhoras, com cabelos brancos e olhar curioso, cochichavam de lado enquanto viam passar a bateria regida por um brasileiro e liderada por uma passista (bandeira estrategicamente amarrada na cintura).
Na aula: Todos sentados, entra o Professor Sanahuja e pede que, antes de mais nada, respondamos à seguinte questão: “quem manda aqui?”. Silêncio. As cinco horas que se seguiram foram de total concentração, de discussões sobre crise, China, guerra e narcotráfico, quebradas apenas por um bom-humor e por outras perguntas ainda mais capciosas. Algumas idéias: “quando se escreve a realidade, se está construindo a realidade. Quando descrevemos... estamos descrevendo ou concretizando em forma de discurso uma aspiração?”, “a definição de uma ameaça é uma tomada de poder, é um ato político”, “o Estado-Nação já não é parte da solução, é parte do problema”, “vivemos em uma sociedade apolar: ninguém tem o poder, ele está demasiadamente difuso, fragmentado em 192 países soberanos”. Resumindo: quem manda aqui? Ninguém.
3 comentarios:
Nunca na vida pare de escrever. Beijo te amo mami
Estava eu hoje..pensando em Espanha, pensando em Madrid...E pensei em Laura.. Será que chegou bem? Como é mesmo o Blog dela? Grande Google! Me ajuda a achar o mundo..todo mundo..E aí está a Laura...à Sevillana. E para meu delírio, escrevendo cada vez mais deliciosamente! Ao ler, senti Madrid, senti as ruas de Madrid. Grácias, Laura! Benvenida!
Besos!
Que lindo lau. É bom estar um pouquinho junto com você e vivendo, através de suas palavras, a vida em Madrid. Te amo.
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