lunes, enero 12, 2009

Pernambucosevillano


João Cabral de Mello Neto também era sevilhano de coração – demorou até que revelasse isso para vocês, queridos amigos. Por isso, me desculpo! A Luiza, outra apaixonada pela cultura espanhola, contou tudo em uma matéria publicada no ZERO em Revista em outubro de 2007. Sinto também pelo delay...

Pois é. Pelo o que a Lú nos revela, o grande poeta pernambucano, que não era bobo nem nada, também gostava de ficar perto da praça La Campana, compondo versos modernistas e vendo as sevilhanas desfilarem coques e flores durante as tardes de verão.

Como João Cabral não veio para esta página antes ainda é uma incógnita. (minto: egoísta, acho que não queria dividir com mais ninguém a informação preciosa, a sensação de que só ele e eu vimos com o mesmo deslumbramento os pores-do-sol no Guadalquivir!)
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Sei que a maioria já conhece “Morte e vida Severina”, que acompanha as fotos de Sebastião Salgado. Mas nunca é demais relembrar aquele início, irretocável, onde temos o primeiro contato com “Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba” – nós.

Esse post vai para meu grande amigo Paulo de Tarso que, 7 anos atrás, me cutucou durante uma aula chata e me entregou um poema do Vinicius. Mas “Morte e vida” ainda deve ser o seu favorito.

Morte e Vida Severina
(João Cabral de Mello Neto)

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
QUEM É E A QUE VAI

- O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

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