3h da madruga, vontade de água. A incursão delicada pelos cômodos e corredores escuros, no meio da noite, não é difícil quando estamos na nossa casa. Não há degraus-surpresa, nem precisamos ligar a luz para saber onde está o copo, o pacote de bolachas ou o fósforo. Está tudo na cabeça, os movimentos são praticamente instintivos, certeiros.
Quando cheguei na pequena-grande casa situada no número 7 da rua Vergara, não imaginava que uma das primeiras instruções da anfitriã seria sobre como utilizar os interruptores - que não são poucos! Depois entendi: a casa da Lorenza tem 3 andares e um 4o que pertence aos gatos (o terraço). Todos eles são cortados por um confortante corredor de luz que vem da clarabóia - que nos permite ver cada detalhe da torre gótica da igreja de São Marcos, a vizinha da frente.
Meu quarto deve ter 3,50m por 2,50m (relevem minhas noções de medida!). Poderia ter escolhido o maior, com cama de casal. Mas preferi a janela! Linda, mais ou menos 1,50m de luz e de Sevilla. A cortina florida e pesada completa o estilo delicado da habitação. Uma estante para meus livros, uma praia de aquarela na parede salmão. Um chão de mármore quase branco e gelado que obriga aquecedor. Ao lado da cama, uma cômoda com fotos indispensáveis e (mais) livros idem.
Quando os sinos me acordam - literalmente - tenho que descer um lance para chegar à cozinha, e mais um para chegar à biblioteca (de onde vos escrevo). E, voltando à vaca fria, daí a importância dos interruptores inteligentes! Sempre que se quer subir ou descer e se acende a luz da escada, há outro interruptor bem no fim do trajeto para você poder apagá-la sem ter que descer ou subir tudo de novo. Acreditem: essa informaçào é importantíssima!
Mas estávamos na biblioteca... - personagem antiga deste mesmo blog. Ela é maior do que a foto pode mostrar e, em seu formato de L, acolhe um lindo e fresco jardim de inverno (ou verão). Em julho este é o melhor lugar da casa para driblar o calor de 50 graus (para mim, é o melhor lugar o ano inteiro!).
Três ambientes em um só: um para leitura, um para os computadores e um para a música. Aconchegadamente linda! O teto é de madeira clara e temos a opçào de sentar em pufs indianos, bancos de madeira ou poltronas confortáveis e quentinhas.
É em uma dessas que estou agora. Escrevendo e ouvindo o CD de um cantor de camarões que ouvi em uma rua do centro. Estou tranquila porque sei que quando subir as escadas escuras para meu quarto, daqui a alguns minutos, não precisarei da ajuda dos interruptores. No número 7 da rua Vergara já sei andar no escuro.
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Quando escrevemos o que vivenciamos, temos uma experiência dupla: lembrar do que foi especial e reinterpretar a vida de maneira criativa e saborosa (degustando cada vírgula e cada exclamação). Essa idéia maravilhosa, que dá ao escritor que nela acredita a oportunidade de tornar únicos os detalhes mais banais, foi a coisa mais legal que já ouvi classe de jornalismo: a maioria das vezes que escrevemos uma matéria, perdemos a oportunidade de torná-la singular no meio da avalanche midiática.
*Crédito das fotos à Manu