lunes, diciembre 03, 2007

Souvenirs

Sou pragmática com algumas coisas. Escrever é uma delas. Não por qualquer frescura pseudo-jornalística, mas porque gosto de tempo para pensar e me expressar. Preciso digerir tudo o que rodeia meus pensamentos – e, garanto, não é pouca coisa. Sim, sim... Sei que não é desculpa para mais de quatro meses de ausência. Mas, acreditem: foram meses intensos, de viagens, despedidas, chegadas, readaptações, trabalhos e muitas, muitas histórias para contar. Agora, faltando apenas duas semanas para o fim do semestre letivo, sento-me para contar um momento, uma noite, mais especificamente, em que o pianista anônimo que completava com música minhas tardes de leitura na azotea acenou para mim. Que vocês me perdoem, e que desfrutem comigo as lembranças de minha última noite em Sevilla.
........................................................................

Primeiro fui ao (meu) rio Guadalquivir para me despedir de Triana e da ponte que tantas vezes me serviu de vista. A turma tinha ficado pequena, já não estávamos mais em roda para começar outro piquenique com bolachas Príncipe e quesadillas. Lídia tinha ido para Jaen no dia anterior, agora era minha vez de voltar para casa. Lembrei das últimas semanas: deliciosa viagem com minha avó Lucia e minha prima Jujú, do norte ao sul e do leste ao oeste da Espanha; depois, dez dias incríveis em um mochilão pela Itália na companhia da Lídia e da Déborah (experiências que logo receberão uma crônica exclusiva). O que mais eu podia querer?

Nem a possibilidade de ter que pagar horrores na alfândega por causa do excesso de peso me desanimou. Inclusive, testei meu desprendimento material: deixei 10 kg, D-E-Z kg, de roupas na casa da Loren, e cada grama foi contabilizada (aliás, como temos coisas em demasia!). Com tudo “pronto” – SÓ faltava fechar as malas – saímos para comer umas tapas no bodegón ao lado de casa. Engraçado. A austríaca que toca o negócio nos serviu umas berinjelas recheadas que tinha acabado de fazer. Uia! Divinas! Dei-me conta de que nunca tinha comido neste boteco, mesmo estando ao lado de casa. Bateu um saudosismo pelas coisas que não fiz... Apesar do verão nada amigável de Sevilla, a noite estava agradável.

Logo reparei que logo acima da gente, numa casa estreita de tijolos à vista, uma janela se iluminava. Podia ver a silhueta do piano e do pianista – um jovem cuja existência era mais que sabida por todos da praça, mas que raramente era visto, nem na padaria, nem na farmácia, nem no bodegón. Não quero idealizá-lo: uma “aura” esconderia a simplicidade do garoto que, discretamente, nos acenou depois dos aplausos nossos e de outros com os quais dividíamos a calçada. Então era ele. Lembrei das tantas tardes em que, sentada no terraço na companhia de bons livros – muitos da biblioteca do Vicente -, ouvia seu piano tocar. Desde a primeira vez, decidi dedicar a ele uma crônica.

Pedindo licença para sonhar, confesso que achei que a apresentação daquela noite tinha sido planejada para mim – afinal, estava indo embora, era seu presente de despedida. E outra... Uma mera coincidência não seria tão poética! Quando parou e espiou pela janela, pedi uma música. Contente pelo sucesso, ele sorriu, sentou e tocou lindamente. Aplaudimos e ele se despediu fechando o piano. Pronto, agora já podia voltar para casa: conheci aquele que, anonimamente, tinha dividido comigo a paz das tardes na praça de São Marcos.

Voltei para minhas malas, nada musicais e muito menos amigáveis. Tomada pela música, percebi que o que eu queria levar não cabia na bagagem – mas nem a Ibéria, nem a imigração, nem a União Européia podiam reter. Era o cheiro que sempre reconhecerei, a vista que sempre estará na memória, a comida que sempre saberei o gosto, uma música que sempre será minha .

3 comentarios:

José Lacerda (Jolac) dijo...
Este comentario ha sido eliminado por el autor.
José Lacerda (Jolac) dijo...

Oi, Laurinha
Que bom! Seu inverno astral terminou e você voltou a escrever. Estava ficando cansado de tanto abrir seu blog e nada achar!
Escreva sempre, mesmo que se ache sem inspiração, pois esta vem se aproximando, aos poucos, de nossa mente, como cão esfomeado se achega ao churrasco. E, tem mais! Mais se escreve, mais se quer escrever! Vira uma cachaça mas que, ao contrário da verdadeira, quem fica inebriado são os seus leitores. Você tem o dom de sopesar as palavras, antes de lançá-las sobre o papel (ou monitor?). Isto é raro, pois é a alma do escritor.
Gostei de ler sua crônica.
Não nos deixe órfãos, novamente!
Um grande abraço

Unknown dijo...

Laura,

Fazia tempo que voce não escrevia, achavamos até que voce teria parado de escrever no blog e para matar a saudade ou por curiosidade resolvi olhar.....que surpresa agradavel.....que delicia de texto....tão singelo e tão sensível....adorei.
Estamos morrendo de saudades de voces todos....
Beijão